Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
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Maria, a ex-dançarina do Bolinha, e Robério, que não a conhecia

Faz 12 anos que eles se conheceram em Madureira, e engataram um casamento que mal passou pela fase de namoro

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São Paulo

"Eu só achei o amor depois que fiquei feia. Feia, velha e fora da TV", diz uma sexagenária no subúrbio do Rio. "Feia onde?!", se insufla o homem ao seu lado, levantando as mãos para o céu, inconformado, e olha para a mulher, uma morena de cabelos crespos e olhos brilhantes. Os dois são um casal mais ou menos recente. Faz 12 anos que Maria Lima e Robério Junior se conheceram em Madureira, e engataram um casamento que mal passou pela fase de namoro. "Eu vi ele e sabia que podia dar samba. Porque ele não me conhecia da TV, nunca tinha me visto", ela ri.

A tese de Maria vem de uma vida fora do comum e dentro da tela da TV. Ela foi o que chama de "quase famosa". No fim dos anos 1980, foi dançarina do programa na Band TV por dois anos. Não chegou a ter o nome na boca do povo, como aconteceu com colegas como Zulu, que ganhou o apelido "dançaria que não sorria", e foi o equivalente de uma Rita Cadillac para o universo de Bolinha.

O apresentador Bolinha, no palco de seu programa de televisão, onde Maria Lima dançava - Eliana Assumpção - 30.nov.10/Folhapress

Dançarinas como ela eram conhecidas como "boletes" e ganhavam apelidos vistosos, como Índia Amazonense, Rose Cleópatra, Sandra Veneno, Regina Polivalente, Leda Zeppelin, Kátia Pavão, Fátima Boa Viagem e Gracinha Copacabana. Maria tinha sua alcunha, só que prefere deixar ela no passado. "Esse nome nunca foi meu. Foi desse trabalho e pronto."

Mas Maria diz que a beleza tinha um lado obscuro. Um lado que já foi descrito pela atriz americana Rita Hayworth meio século atrás, quando ela usou o nome de uma das suas personagens mais famosas para cravar: "Os homens sempre vão para a cama sonhando com Gilda (do filme) e se decepcionam ao acordar ao lado de Rita."

Era uma maldição parecida que assombrava a vida de Maria. "Interessado nunca faltou, a questão é no que é que eles estavam interessados. Sempre tinha uma coisa sexual. E tudo bem ter uma coisa sexual, o problema é que parava por ali." Depois de ter se decepcionado com um punhado de homens ("não foram nem dez namorados numa vida, ao contrário do que podem esperar por aí"), ela optou por fechar a lojinha do seu coração. "Fiquei vinte anos, até mais, sem dar um beijo. Só nos sobrinhos, e na bochecha."

Maria focou na sua carreira. O que não foi fácil. Depois de sair da televisão em uma das trocas do elenco, que aconteciam com alguma frequência, se apresentou em boates e em espetáculos de teatro de revista, cada vez mais raros. Algumas amigas achavam que ela tinha se aposentado das telinhas com uma reserva financeira que garantiria sua aposentadoria. Mas acharam errado. "Eu trabalhava porque precisava pagar o mercado do mês e o aluguel, não porque eu queria ser famosa ou bonita. Até porque eu sempre soube que isso tudo acaba."

A própria Rita Cadillac me disse há anos que toda a fama que varreu um país, o que ficou de patrimônio foi só um apartamento de dois quartos na Santa Cecília, centro de São Paulo. Para Maria, não restou nem isso. "Quando eu deixei de ser artista, não tinha nada. Nada. Saí com o figurino e com uns amigos que fiz. Poucos."

Quando estava chegando perto dos 40 anos de idade, aposentou o maiô de lantejoula. Foi morar com uma tia em Madureira, onde trabalhou como balconista e como maquiadora.

Em uma sexta de 2011, ela estava em um boteco com amigas quando viu um homem de bigode. Ele sorriu para ela e passou a mão na vasta cabeleira branca. Ela franziu o cenho. "Pensei ‘iiiih, lá vem o fã das antigas, o taradão’." Mas Robério nunca tinha visto o programa do Bolinha. "Eu cheguei nela todo carinhoso, todo pronto para ‘manteigar’, e ela parecia um touro bravo." Com o tempo, Maria diz que passou a acreditar no interesse legítimo do Don Juan de Madureira. "E sabe que eu até comecei a achar ele bonito?". Em menos de seis meses, estavam morando na casa dele, onde passaram por um câncer (dele, na próstata) e uma pandemia (do mundo todo).

Hoje, Maria diz que vive seu auge, por mais que o mundo não esteja vendo. "É calma. Minha vida é calma que chega a ser chata. Mas tudo bem. Nem tudo precisa ser agitado. Quer dizer, um programa de TV precisa ser agitado. Minha vida não precisa ser um programa de TV."

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