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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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E se a discussão fosse Medicina Sem Partido?

Alguns debates sobre educação não fazem o menor sentido, já pensou se fossem em outras áreas?

Imagine um movimento chamado “Medicina Sem Partido”. O objetivo é simples. A ideia é expurgar dos hospitais todos os médicos doutrinadores. Os tratamentos deixam de ser validados pela sua capacidade de curar doenças. Agora, o que vale é a anuência das famílias e dos pacientes. Não gosta de um remédio? De um tratamento? Chega de diálogo. Processo na equipe hospitalar e gravação do médico doutrinador, para ser exibida em todas as redes sociais.

Agora, imagine que esse movimento ganhou força. Ele definiu que o papel dos hospitais não é mais curar os pacientes, mas garantir que os médicos mantenham a ordem nos quartos. Se o paciente não se comportar direito, ele deve ser deixado a própria sorte para que uma pessoa mais bem-educada ocupe seu lugar.

Como um tsunami, esse movimento não para. Ele defende que os médicos atendam pessoas de regiões afastadas à distância. Como é muito caro manter profissionais de saúde em áreas rurais, basta colocar todos os pacientes em videoconferência.

Finalmente, o “Medicina Sem Partido” defende uma mudança de paradigma. Oswaldo Cruz e Carlos Chagas serão banidos das escolas de medicina do Brasil porque o movimento não gosta das ideias que eles defenderam. Além disso, o movimento atribui a eles o fato de que ainda se morre de febre amarela e de doença de Chagas no país. Se eles não conseguiram erradicar as doenças, logo, nada do que eles fazem presta.

Tudo muito absurdo, certo? Pois bem. Cada um dos parágrafos anteriores transpõe para a medicina algumas das prioridades do presidente Jair Bolsonaro para a educação. Escola Sem Partido, progressão continuada, educação à distância em regiões rurais e erradicação de Paulo Freire. Verdade seja dita, Bolsonaro não está sozinho nessa. A educação é um terreno fértil para debates absurdos, à direita e à esquerda – e tenho uma hipótese para isso.

Diferente de outras áreas, muitas pessoas e organizações se julgam capacitadas a dar diagnósticos e soluções salvadoras para a aprendizagem –mesmo sem saber nada sobre educação. Pior, se acham no direito de definir prioridades mesmo com pouquíssimos dados.

Exemplo de assunto ausente da lista de prioridades. O pesquisador Ricardo Paes de Barros, um dos pais do Bolsa Família, fez um estudo para o Gesta (Galeria de Estudos e Avaliação de Políticas Públicas) sobre evasão escolar. Descobriu que ela atinge 27% dos jovens de 15 a 17 anos e cria um problema enorme para a população. Quem não termina a educação básica (ou seja, sai da escola antes de terminar o ensino médio) ganha menos e tem empregos piores.

Quantas vezes você ouviu falar desse problema, com esses dados? Pois é. Em educação, o ruído sempre é mais forte do que o bom senso. Mudar esse cenário é urgente.

Afinal, voltando para a comparação entre educação e medicina: em vez de discutir como salvar a vida das pessoas, estamos discutindo a ideologia dos médicos. Não há país que vá para a frente com tanta energia desperdiçada.

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