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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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A dolorosa solidão dos melhores professores do Brasil

Débora Garofalo sofreu um bocado até virar estrela da maior premiação para educadores do mundo

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Conheci Débora Garofalo, primeira mulher brasileira na lista de melhores professores do mundo, num encontro promovido pela Fundação Lemann em meados de 2016. A época, Débora era líder do capítulo paulistano da rede Conectando Saberes, apoiada pela fundação. A rede reúne educadores que compartilham uma série de princípios comuns. Entre eles, compromisso inegociável com educação pública, de qualidade e diversa, para todas as crianças. Ela existe até hoje.

Foi difícil não se emocionar com os professores. Havia o artista do interior de Pernambuco, o diretor que aprendeu a ler já adulto, a mulher que superou o bullying e reinventou a autoestima das alunas, o geek super conectado do Paraná profundo. Eu senti um choque de esperança enquanto ouvia cada um deles falar nas rodas de conversa. Mesmo forjado na dureza de Caieiras, vez ou outra caía uma lágrima sem vergonha aqui na minha lojinha.

Porém, na hora do almoço, a conversa era diferente. Na intimidade do buffett, entre o arroz e a alface, os professores abriam o coração. Muitos dos problemas você já está cansado de conhecer – infraestrutura, relação com as famílias... Um deles, contudo, deve ser tão novo para você quanto foi para mim à época. O bom professor é uma pessoa solitária, isolada na instituição escolar. Débora, claro, era uma dessas professoras. Ela sofria as consequências, mentais e profissionais, do seu compromisso profundo com os alunos e alunas da favela Alba, na empobrecida zona sul de São Paulo. 

Outros professores, machucados pela realidade, ficam cínicos com o tempo. Criticam todo e qualquer projeto, e seu principal objetivo é sair da sala de aula o mais rápido possível. Quando veem uma pessoa comprometida, como Débora, a isolam rapidamente porque a empolgação, no final das contas, nos lembra de tudo que poderíamos ser, mas não somos. Além disso, muitos diretores e coordenadores pedagógicos desconfiam e atrapalham professores inovadores. Espremidos pela burocracia, têm alergia a inovação. Veem apenas mais trabalho gratuito entregue a um Estado que não os valoriza e a pais que não os compreendem. Nessas condições, todos perdem. Ficam presos num labirinto de frustrações que se duplicam.

Eu e Débora ficamos amigos muito rápido. Do meu lado, por causa de uma frase que me ganhou na hora. Débora me contou que participava de prêmios de educação não por causa do dinheiro e do reconhecimento, mas pela oportunidade de conhecer colegas dispostos a fazer de tudo pelos estudantes. Ela falava com sinceridade – e era bem diferente de outros professores vaidosos que conheci e conheceria, muito mais interessados nos aplausos do que na alfabetização das crianças e adolescentes.

Ao longo dos últimos três anos, acompanhei a trajetória de Débora. Ela virou colunista da Nova Escola e conselheira da nossa equipe em assuntos relacionados a tecnologia e educação. Nos nossos almoços de trabalho, ela me contava das vitórias e frustrações, apreensões e explosões de felicidade. E foram três anos difíceis desde 2016...

Mudanças de gestão na escola, sabotagem, abandono, isolamento. Choro, dor de cabeça, sensação de que nunca seria o bastante, medo de que o projeto acabasse. Até hoje, não sei de onde ela tirou energia para seguir em frente. É mais fácil entender o cinismo e a depressão entre professores do que o otimismo e a alegria. Ela tirava energia de uma doação de kits de robótica à escola, de alunos que ela salvava da enchente, das notas que seus estudantes tiravam nas avaliações. Ela se enchia de ânimo a cada passo, pequeno ou grande.

Quando liguei para lhe dar os parabéns pela indicação ao Nobel da Educação, Débora não me respondeu com um muito obrigado. Na hora, ela falou dos alunos, de como o prêmio era importante para eles e para a comunidade em que moravam. Ganhar, Débora disse, é o de menos. O mais importante é mostrar que os alunos da favela existem e merecem uma educação de qualidade.

Concordo com ela. Embora esteja numa grande torcida por aqui, sei que Débora não vai mudar, vencendo ou não o prêmio. Ela vai usar o fato de estar entre os dez melhores professores do mundo para dar os próximos passos. É bonito de ver: algumas pessoas têm muita clareza do que querem e de quem são.

Agora, do lado de fora da escola, aqui onde estamos, a conversa precisa ser diferente. Espero que o passo de Débora nos ajude a pensar na solidão dos bons professores. Há milhares de Déboras Brasil afora. Há outros milhares que só precisam de um pequeno apoio para ser como Débora. E outros tantos, talvez milhões, que não sabem que podem ir tão longe quanto Débora.

Portanto, cara leitora, caro leitor, te faço um convite: mostre aos professores que eles não estão sozinhos. A excelência não pode ser relegada ao cantinho do recreio.

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