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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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Como a ciência diminui a tensão entre pais e professores

O que aprendi com um especialista em relações escolares

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A boa vontade é uma virtude supervalorizada em educação. Dada a ausência do básico em muitas escolas país afora, transformamos uma virtude em ferramenta de trabalho. Um dos resultados é fácil de auferir. Hoje, a relação entre pais e professores está ruim de dar dó. Quem é o culpado favorito? A boa vontade, apontada como sujeito ausente em muitas conversas país afora - tanto na sala de professores quanto na sala de estar.

Pois bem, trago algumas notícias. A primeira é amarga. A boa vontade, tal como a gentileza, é muito apreciada por aqui, importante, de verdade. Porém, ela não vai mudar o mundo e é incapaz de mudar situações em que a reunião de pais e mestres já foi para o cantinho da disciplina (o famoso brejo escolar). A segunda é melhor - e não necessariamente mais fácil de engolir. Existe muita ciência para melhorar esse diálogo entre a turma do “meu filho perfeito, minhas regras maravilhosas” versus “seu filho insuportável, minha aula destruída”.

Recentemente, visitei uma escola pública em San Diego, extremo sul da Califórnia (EUA). Para os padrões americanos, era uma instituição modesta. Se não fosse pela abundância de computadores, poderia estar em um bairro de classe média baixa de São Paulo. Fui até lá durante uma viagem pela Nova Escola e, confesso, me surpreendi pouco - exceto por um cargo muito específico da instituição. Havia uma pessoa responsável por organizar a relação entre pais e mestres, veja só. “Rapaz, temos ai uma pessoa capaz de colocar fim ao conflito Israel e Palestina”, tive vontade de falar (mas não falei). Fui conversar com ele e recebi um choque de esperança (nem sabia que ainda era capaz de nutrir tão bela sensação).

Antes da criação do posto, as escolas pobres de San Diego tinham problemas semelhantes a muitas escolas brasileiras, independente da classe social. A discussão entre pais e professores, tal como aqui, também era recheada de ressentimento e desconfiança. Alguns anos atrás, a escola geralmente só chamava os responsáveis quando algo dava errado ou para cobrar algo - de nota a disciplina. Muitas mães e pais também não colaboravam e adotavam a política da relação mínima com a instituição. Só procuravam a escola quando algo dava muito errado.

O especialista de San Diego me contou como as coisas começaram a mudar. Primeiro passo: no começo do ano, eles substituíram as terríveis e burocráticas reuniões sobre material escolar e deveres por um encontro sobre os sonhos dos pais para seus filhos. Em vez de começar a relação com o confronto, cada um dividiu desejos e aspirações sobre os pequenos entre si.

Depois, e isso se repete ao longo do ano, os professores compartilham os resultados dos estudantes. Isso inclui não apenas as notas nas provas, mas observações sobre comportamento e relação com os outros colegas. O objetivo é mostrar o quão perto (ou distante) está o aluno do sonho do pai e do sonho do próprio aluno.

Por fim, os professores ensinam os pais a estudar junto com seus filhos. Como fazer os deveres de um jeito construtivo, como tirar dúvidas, o que ler, o que pesquisar. Os pais têm orientações simples sobre como se relacionar com a vida escolar dos seus filhos. Não se sentem perdidos nem impotentes.

Resultado? A escola consegue provar que, quando os pais participam, a vida dos meninos e meninas melhora. O estresse diminuiu muito e os estudantes começaram a ir muito melhor - nas notas e na vida.

Fiquei surpreso com a clareza e a segurança das orientações. Imaginei que o especialista fosse me dizer algo que sempre escuto em escolas Brasil afora: “Com um pouquinho de boa vontade, dá para fazer grandes mudanças”. Em vez disso, ele me passou o endereço de um site da escola de educação de Harvard e me convidou para participar do congresso americano sobre pais e professores.

Obviamente, me afundei nas pesquisas. No site de Harvard, há orientações sobre como estudar matemática com os filhos e como envolver os pais (se você lê em inglês, veja aqui). Em outro endereço, há dicas muito úteis sobre o que professores devem (e não devem) fazer com os dados dos estudantes (dica prática: a humilhação pública não é educativa).

Também há pesquisas sobre os efeitos do envolvimento dos pais, mostrando como uma uma relação bem construída entre pais e professores aumenta a chance do dever de casa ser feito e diminui a quantidade de broncas que um educador deve dar em sala de aula.

Enfim, tem um universo de dicas práticas, construídas a partir de pesquisas, para resolver um dos maiores problemas da educação no Brasil de hoje. E esse problema, aliás, tem consequências não apenas para o desempenho dos estudantes, mas para a confecção de políticas públicas. Tenho certeza que se pais e professores tivessem uma relação melhor, debates como educação domiciliar e escola sem partido seriam muito menores.

Não me considero um otimista, mas há dias em que faço essa concessão. Quando a boa vontade encontra a ciência, coisas boas acontecem (pronto, abracei a poesia de papel colado no muro. Me desculpe).

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