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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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Escola cívico-militar é apenas pensamento mágico do bolsonarismo

O MEC está criando vitrines para grupos de apoio ao presidente em vez de atacar os problemas que lhe competem

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As melhores escolas públicas do Brasil estão em cidades do Ceará, no ensino fundamental, ou são ligadas a universidades e institutos federais espalhados pelo país, no ensino médio. Essas instituições geralmente se apoiam em um tripé. Elas investem na formação dos seus professores, tem currículos claros e escolhem material didático alinhado aos seus objetivos. São fruto do trabalho árduo de milhares de pessoas e foram aperfeiçoadas ao longo de muitos anos. Não há milagre. 

Por isso, o programa de escolas cívico-miliares lançado pelo MEC na semana passada é mais uma prova de que caneta presidencial aceita qualquer coisa. E, infelizmente, essa caneta vai descobrir cedo ou tarde que a realidade não se muda por decreto. 

Alunos da escola militar Centro de Ensino 1 (CED) da Estrutural, na região de Brasília
Alunos da escola militar Centro de Ensino 1 (CED) da Estrutural, na região de Brasília - Pedro Ladeira - 15.fev.19/Folhapress

Grosso modo, a medida do presidente Jair Bolsonaro (PSL) faz duas coisas. Primeiro, direciona recursos escassos do governo federal para uma quantidade ínfima de instituições. Serão R$ 54 milhões investidos a cada ano do programa. A meta é implantar o modelo em 216 escolas até 2023. Bem, o Brasil tem 181,9 mil escolas. Mesmo para um programa piloto, convenhamos, é quase nada para mudar a educação pública de patamar. 

O segundo ponto é que o programa cria uma reserva de mercado para militares nas escolas públicas. Independente da formação dos profissionais e das suas boas intenções, o fato está nu e cru. É um programa focado na contratação de pessoas oriundas do núcleo fiel de apoiadores do presidente. O decreto abraça tanto militares da reserva quanto bombeiros e policiais. Se o governo queria trazer gente de fora da educação para reformar a gestão, poderia ter criado um programa amplo de seleção de pessoal, nos quais os militares eventualmente poderiam concorrer com pessoas de outras carreiras. Não, não fez. Preferiu escolher entre os seus. E, como você bem sabe, o nome disso é corporativismo. 

Na prática, não há pesquisas que corroborem a transferência de dinheiro e a reserva de mercado. Os colégios militares, mantidos pelas Forças Armadas e inspiração para o modelo, não se destacam entre o grupo de escolas que também selecionam alunos em vestibulinhos e tem gasto por aluno muito acima da média brasileira. Podem até ser escolas mais ordeiras, mas não necessariamente educam melhor. 

Sua presença, obviamente legítima no conjunto de escolas brasileiras, serve a um conjunto específico de pais e alunos que desejam essa experiência. Agora, transformá-las em modelo mostra apenas profundo desconhecimento das experiências nacionais e internacionais de sucesso escolar.  

Portanto, se o governo realmente acredita que o modelo de escolas cívico-militares vai mudar o país de patamar, olha, é um caso grave de autoengano. No máximo servirá para mostrar como algumas escolas eram violentas e passaram a ter algum grau de ordem e disciplina. Sim, sei que há escolas nas quais a situação é grave e a presença militar certamente vai atenuar o problema num primeiro momento. A questão é que essas intervenções não mudam a dinâmica da escola ou da comunidade em que ela está inserida. Elas apenas atenuam o problema a curto prazo. É uma forma de pensamento mágico, um conjunto de crenças baseado apenas naquilo em que as pessoas querem acreditar. 

Afinal, os militares, verdade seja dita, não são formados para mudar o clima escolar, ligar ações contra a indisciplina à aprendizagem ou criar apoio pedagógico para alunos de famílias miseráveis. Eles são formados para atacar problemas pontuais de violência ou para defender o país de agressões estrangeiras. 

O modelo de escolas cívico-militares pode ser uma boa vitrine presidencial num primeiro momento, mas dificilmente vai se sustentar no tempo. Escola é muito mais do que indisciplina ou violência. Até para os militares pode se tornar uma cilada. Afinal, eles vão ser cobrados por melhorar índices escolares sobre os quais eles não têm nenhum conhecimento. 

Se o MEC quer fomentar a qualidade nas escolas, há muitas outras fontes, testadas e aprovadas, nas quais beber. Infelizmente, o ministério escolheu abastecer a realidade com os desejos do presidente da República. É muito pouco para o país.

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