Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Eleições 2018

Paradoxo da democracia

O que fazer quando a maioria erra?

A erosão da democracia pela vontade da maioria é uma antiga preocupação do pensamento político ocidental. O que fazer quando a maioria erra, perguntava Jean-Jacques Rousseau; ou ainda, quão tolerantes devemos ser com os intolerantes, indagava Karl Popper. 

ascensão de Hitler ao poder, em 1933, por intermédio do voto, agregou dramaticidade a esse paradoxo da democracia. Fazendo uso de suas atribuições, Hitler aprovou, em março daquele ano, a famigerada Lei de Habilitação que, entre outras medidas, retirou do Judiciário a atribuição de controlar a validade dos atos e leis por ele propostos. A Constituição de Weimar foi, assim, "legalmente" desconfigurada e as consequências todos conhecemos. 

Ministros no Supremo Tribunal Federal (STF) - Divulgação/CNJ

Difícil crer que o Judiciário teria sido capaz de barrar, por si só, um movimento tão violento e perverso como o nazismo. Isso não significa que as cortes e outras instituições de controle e aplicação da lei não possam e devam desempenhar um importante papel na proteção da democracia, contra aqueles que a ameaçam. 

As traumáticas experiências do totalitarismo, do colonialismo e da segregação racial, assim como dos regimes autoritários, que assombraram o século 20, levaram a que muitos processos de transição culminassem com a adoção de robustas garantias constitucionais, voltadas a proteger a democracia contra tentações autoritárias.

Além da adoção de densas cartas de direitos, que devem ficar a salvo da vontade da maioria, diversas das constituições formuladas nas últimas décadas, a começar pela Constituição alemã, de 1949, conferiram aos tribunais a incumbência de proteger as pré-condições do regime democrático. Alguns desses tribunais receberam, inclusive, o poder de declarar inconstitucionais emendas que violem regras e princípios básicos do Estado democrático de direito.

Há hoje uma larga literatura que discute a eficácia dessas ferramentas. Em "Fragile Democracies" ("democracias frágeis"), de 2015, Samuel Issacharoff, faz um rico balanço da ação de cortes constitucionais ao tentar proteger a democracia dos seus inimigos. Uma primeira estratégia, de natureza mais paternalista, tem sido restringir certos discursos e condutas, e mesmo proibir, em casos extremos, a participação de grupos antidemocráticos no processo eleitoral, como ocorreu na Alemanha, na Índia, na Turquia ou em Israel, nas últimas décadas. 

Uma segunda estratégia de muitos tribunais tem sido buscar manter os canais democráticos abertos e competitivos, proteger minorias, combater a corrupção e restringir as tentativas de concentração de poder nas mãos do Executivo. No limite, essas cortes se dispõem invalidar leis e mesmo emendas constitucionais que violem direitos ou coloquem em risco o processo democrático. O caso colombiano, em que a Corte Constitucional impediu o ex-presidente Uribe de concorrer a um terceiro mandato, é o exemplo mais bem- sucedido desse movimento. 

A tarefa, no entanto, não é simples ou isenta de contradições. Muitos tribunais sucumbiram no caminho, como na Rússia, na Hungria, na Venezuela, na Turquia e mesmo na África do Sul. O sistema de Justiça brasileiro, a depender do resultado do presente ciclo eleitoral, também terá que assumir uma postura ativa na defesa da democracia. A grande questão é se a musculatura adquirida nos últimos anos, assim como os tropeços que deu, contribuirão para que resista aos ataques autoritários que eventualmente virão.

Erramos: o texto foi alterado

A Lei de Habilitação foi aprovada na Alemanha em 1933, e não em 1937, como informou incorretamente a coluna. O texto foi corrigido.

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