Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus

Democracia combatente

Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime

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A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

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Ato antidemocrático de bolsonaristas em frente ao Comando Militar do Sudeste, na zona sul da capital paulista - Mathilde Missioneiro - 3.nov.22/Folhapress

Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito também definiu como crime o ato de "incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".

Para não deixar dúvida sobre a submissão da nova lei ao robusto regime de proteção da liberdade de expressão e manifestação adotado pela Constituição de 1988, o legislador deixou expresso que "não constitui crime" contra as instituições democráticas "a manifestação crítica aos Poderes constitucionais" ou "a reivindicação de direitos... por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações...".

Imagino que muitos daqueles que têm se reunido à frente dos quartéis, munidos de suas bandeiras e palavras de ordem, clamando por intervenção militar, para impedir a posse do presidente eleito, pedindo o fechamento do STF ou prisão de alguns de seus ministros, não têm consciência de que podem estar cometendo um crime. Creem sinceramente estar agindo dentro de suas esferas de liberdade de expressão e manifestação.

De fato, todos têm o direito fundamental de expressar suas opiniões e críticas às instituições, ao resultado das eleições e mesmo expressar suas insatisfações com o sistema democrático, econômico ou social. Podem ir às ruas e reivindicar mudanças no sistema, mesmo que isso cause incômodos (dentro de determinadas balizas) ou que essas mudanças sejam consideradas ilegais.

Os cidadãos não podem, no entanto, empregar violência ou grave ameaça contra as instituições democráticas. Da mesma forma, não podem incitar as Forças Armadas contra essas instituições. Importante que se diga que o crime de incitação se aplica tanto ao presidente da República como ao aposentado embandeirado de porta do quartel, passando pelo general de pijama ou pelo empresário radicalizado.

A democracia combatente é uma postura necessária a ser assumida pelas instituições em momentos em que o regime democrático se veja ameaçado. Trata-se de uma tarefa delicada, que deve ser cumprida na mais absoluta conformidade com a lei. A leniência com grupos radicais, no entanto, tende a ser fatal para a democracia.

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