Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Com ação do STF, nossa democracia saiu da zona de risco existencial

Agora postura militante da corte deve refluir para ser menos interventiva

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A democracia brasileira muito deve ao Supremo e a Alexandre de Moraes. Difícil imaginar onde estaríamos se à frente dos inquéritos que investigam atos antidemocráticos, e do próprio processo eleitoral, tivéssemos um juiz mais contemporizador, que imaginasse poder alimentar o crocodilo na expectativa de ser o último a ser engolido, para parafrasear Winston Churchill.

O fato é que a democracia saiu da zona de risco existencial. Voltou aos trilhos. As ameaças que vinham do centro do poder, pois perpetrados pelo próprio presidente da República, comandante máximo das Forças Armadas, não mais existem. Não se nega que grupos golpistas e bolsonaristas ressentidos ainda estejam por aí, exalando autoritarismo. Mas os riscos impostos por esses radicais são muito distintos daqueles impostos por um presidente extremista.

Nesse sentido, a postura militante do Supremo deve refluir para uma atitude menos interventiva. É fundamental que o tribunal tome cuidado para não estabelecer precedentes que, no futuro, ameacem o próprio debate democrático.

A democracia constitucional é um regime superior aos demais exatamente por essa sua capacidade de assegurar que visões distintas de mundo possam conviver, ainda que em forte tensão, desde que não transborde em violência. A liberdade de expressão serve exatamente para proteger discursos impróprios. Para habilitar que o conflito não fique escamoteado e reprimido, mas que ganhe a luz do dia; até para que saibamos o que pensam os nossos adversários.

Numa democracia constitucional não temos a garantia de que não nos sentiremos desconfortáveis com o que os outros acreditam ou como se manifestam. Há espaço para cretinos, mentirosos, reacionários, lunáticos e mesmo autoritários. As restrições devem sempre estar previstas em lei; e somente ser estabelecidas quando indispensáveis para proteger grupos discriminados e vulneráveis ou para proteger o próprio regime de liberdades democráticas de ameaças concretas.

O caso da suspensão do perfil de Monark por opiniões expressadas recentemente aponta para uma postura desnecessariamente restritiva da liberdade de expressão, pois não há "risco efetivo" à democracia. Para que possa haver legítima contenção de um discurso é necessário que o mesmo represente um "risco efetivo" à sobrevivência do Estado democrático de Direito ou a um dos seus pilares, como a independência do Judiciário ou a integridade do processo eleitoral, conforme estabelecido pela ADPF 572.

O apresentador Monark - Reprodução/rumble

Opiniões mentirosas, alucinadas e mesmo maliciosas difundidas sobre o Supremo Tribunal Federal ou sobre o processo eleitoral, neste momento, não colocam a democracia em risco. Portanto, devem ser combatidas no campo da própria liberdade de expressão.

Falsários e gigolôs do ressentimento público devem ser desmascarados, mas não calados. A liberdade de expressão não pode depender das concepções de democracia esposadas por este ou aquele julgador. A liberdade de expressão, é sempre bom ressaltar, serve para proteger tanto discursos dignos como indignos, tanto discursos verdadeiros como fantasiosos.

A democracia deve ser tolerante e paciente com aqueles que usam a palavra para lhe agredir, a não ser quando a palavra está sendo empregada para incitar uma prática criminosa ou impondo uma ameaça real à vida do regime. Nestes casos deve se autodefender vigorosamente. Fora disso, temos que conviver com discursos desprezíveis. Esse o custo inafastável de viver em uma democracia.

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