Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Nos regimes democráticos, o direito não pode tirar férias

Tivemos uma semana quente no campo da defesa da democracia

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Ninguém de bom juízo discorda do fato de que as democracias precisam se defender de seus inimigos. O diabo é definir até onde podem ir em sua autodefesa. A resposta maquiavélica é que podem fazer tudo aquilo que for necessário para aplacar os que conspiram contra o regime: "o fogo dever ser respondido com fogo".

Essa, porém, não é uma resposta aceitável para regimes fundados no império da lei e na gramática dos direitos humanos. Nesses regimes, "o direito não pode tirar férias", mesmo que seja em nome da democracia.

Isso significa que as democracias constitucionais devem criar mecanismos legais e institucionais para se autodefender. Devem definir que direitos podem ser restringidos e em que circunstâncias, como fizeram a Constituição e a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, de 2021. Também é necessário definir um sistema institucional de proteção, em que a omissão de um dos responsáveis por proteger a democracia não paralise todo o aparato de defesa. Afinal, uma das artimanhas de autocratas é capturar as agências de controle.

Digo isso porque tivemos uma semana quente no campo da defesa da democracia. Descobriu-se que, na antessala do ex-presidente Bolsonaro, o ex-major Ailton Barros expôs ao coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem presidencial, seu plano de golpe: "Se preciso for, vai ser fora das quatro linhas... deve ser dada a missão ao comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiás de prender o Alexandre de Moraes no domingo". Trata-se do mesmo militar aposentado suspeito de falsificar certificado de vacina para o ex-presidente e de se gabar em saber quem matou Marielle Franco.

Como aponta o depoimento de George Washington de Souza, empresário bolsonarista, igualmente preso após planejar a explosão de um caminhão tanque próximo ao aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022: "Eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das Forças Armadas".

Maquinações alopradas? Sem dúvida. Mas que se encontram em profunda sintonia com inúmeras manifestações do ex-presidente e de seu ministros, que culminaram com a intentona de 8 de janeiro. Basta lembrar os discursos de 7 de Setembro de Bolsonaro.

Como bem salientou o ministro Edson Fachin (relator da ADPF 572) ao julgar a validade dos primeiros inquéritos relativos aos atos antidemocráticos abertos pelo Supremo: "Nenhuma disposição do texto Constitucional pode ser interpretada ou praticada no sentido de permitir a grupos ou pessoas suprimirem o gozo e o exercício dos direitos e garantias fundamentais".

Num contexto de "risco efetivo" às instituições democráticas e de "ausência de atuação" dos demais "órgãos de controle", cumpriria, sim, à Justiça Constitucional assumir uma postura "militante" na defesa do Estado democrático de Direito.

A democracia brasileira deve muito ao Supremo nos últimos anos. Os fatos têm demonstrado a materialidade das intenções golpistas urdidas, inclusive, na antessala da Presidência. Sem os inquéritos presididos por Alexandre de Moraes, dificilmente sobreviveríamos a esse pântano.

A preservação da autoridade do Supremo, no entanto, passa pela disposição desse tribunal em transferir paulatinamente a outras instâncias do sistema de Justiça a apuração e determinação das responsabilidades dos que atentaram contra a democracia.

Como alerta o ministro Fachin, na mesma ADPF 572, é preciso cuidar para que "a dose do remédio não o torne um veneno".

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