Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

A divisão consolidada

Grupos políticos organizados fomentam antagonismo de identidades que corrói o convívio democrático

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Começa hoje uma nova era. O levante antissistêmico que explodiu em 2013 e ganhou uma liderança conservadora em 2015 passa a governar o país. Não se trata apenas de uma mudança de governo, mas também de uma reestruturação da esfera pública e da emergência de um novo espírito do tempo. 

De 2014 a 2018, o Brasil estruturou uma nova divisão política que se sobrepôs e de certo modo ultrapassou a antiga. 

No debate público, questões relativas a políticas sociais e econômicas foram incorporadas e subordinadas, de um lado, pela comoção do combate à corrupção e da defesa da família tradicional e, de outro, pela promoção da justiça social e pela luta contra o machismo e o patriarcado. 

Embora originalmente deflagrada pelos conservadores, a divisão é relacional. O conservadorismo triunfante é, antes de tudo, um movimento de negação. Assim, não deveríamos falar de uma ascensão conservadora, mas de uma reação conservadora. 

Ela é, por um lado, a negação da corrupção cujo expoente máximo seria o petismo. Por outro, é a rejeição da desestruturação da família tradicional que estaria sendo levada a cabo pelos movimentos feminista e LGBT.

Como movimento relacional, a divisão se alimenta de uma resposta antagônica do campo opositor. Mas essa contrarreação não é apenas a afirmação do que os conservadores negam, com sinais invertidos. Nossa polarização é desencontrada.

A esquerda se entende como defensora da justiça social e vê nos conservadores a defesa da desigualdade e dos privilégios do patriarcado, cinicamente disfarçados de combate à corrupção e defesa da família. 

Já os conservadores se veem como aqueles que protegem a família e lutam pela ética na política e veem a esquerda como paladinos da corrupção deslavada e da destruição dos valores tradicionais sob a desavergonhada fachada da defesa da justiça social. 

Cada lado vê no outro a negação da própria identidade. E vê na autodefinição do antagonista uma impostura. A divisão se alimenta da crença de que o adversário não tem boa-fé e esconde uma agenda maliciosa sob a identidade de uma causa nobre. 

Assim, embora os brasileiros defendam serviços públicos universais, o fim da corrupção e um bom convívio entre os diferentes, o antagonismo das identidades promove uma divisão artificial, de rótulos, a serviço de uma agenda política que é o avesso de tudo isso. 

Enquanto não abandonarmos as identidades políticas cujo antagonismo é alimentado por notícias hiperpartidárias e exploradas por grupos políticos organizados, não sairemos dessa armadilha. 

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