O atentado a tiros na escola Raul Brasil em Suzano, nos deixou com muitas perguntas sem resposta. Uma das mais perturbadoras é em que medida a cultura dos “chans” contribuiu para o massacre.
Chan é o nome popular para os canais de imageboard, fóruns de discussão por meio de imagens. Nascidos nos meios de devoção à cultura japonesa dos mangás, dos animes e dos games, nos últimos anos se tornaram incubadoras de ódio.
É o que aconteceu com o 4chan, que incubou a alt-right americana, e o Dogolachan e seus precursores no Brasil que estão ligados a ataques de “incels” (os chamados celibatários involuntários).
A universidade brasileira estudou muito pouco a cultura dos canais, por isso quase tudo que sabemos vêm de reportagens na imprensa e da extrapolação do que foi estudado nos canais americanos.
Embora os fóruns não exijam identificação, um estudo do 4chan apresentou o perfil dos seus usuários: quase todos homens, com idade entre 18 e 34 anos, alguma passagem pelo ensino superior e gosto pela cultura japonesa.
Quase nada sabemos sobre os usuários dos canais brasileiros. O teor das postagens sugere que são homens e jovens.
O administrador do Dogolachan, Marcelo Mello, tinha 33 anos quando foi preso no final do ano passado por associação criminosa, racismo e terrorismo. Ele tinha sido preso antes por perseguir ativistas feministas. Depois que saiu da prisão, seguiu importunando e ameaçando a blogueira Lola Aronovich e o ex-deputado federal Jean Wyllys.
Reportagens da Vice e da Época sobre o Dogolachan mostram uma cultura misógina, homofóbica e racista, na qual mulheres são chamadas de “depósitos” e proliferam relatos de rejeição amorosa respondidos com violência de gênero.
O canal também promove uma cultura do martírio no qual ataques contra mulheres e contra o “gado” seguidos de suicídio são incentivados e celebrados —seus autores são chamados de “homens santos”.
Embora essas e outras matérias sobre a cultura dos canais brasileiros tenham sugerido um vínculo entre o sentimento de inadequação social e a violência preconceituosa, parece apressado reduzir a causa dos atentados à experiência da rejeição e do bullying.
Ativistas feministas têm chamado a atenção para o fato de que se o bullying fosse a principal causa dos massacres, seus autores seriam todos negros, gays, mulheres e pessoas obesas, que são o alvo preferencial dos valentões.
Por isso, alegam, seria mais adequado pensar que é a frustração da expectativa de adequação social por jovens homens brancos e héteros que leva à politização da sua rejeição por ideologias de ódio.
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