Concedido à iniciativa privada como tentativa de pôr fim a esquemas fraudulentos e ao contrabando, o shopping Feira da Madrugada voltou a ser um caso de polícia. Empresários que controlam o centro comercial mais conhecido do Brás, na zona leste de São Paulo, foram alvo de busca e apreensão da Polícia Civil.
Celulares, notebooks e pendrives foram apreendidos e os investigadores estão analisando o conteúdo em busca de provas contra denúncias de formação de quadrilha.
As investigações policiais, que tramitam em sigilo, revelam que esses empresários eram cotistas do fundo Talismã —controlador da concessão da Feira da Madrugada— e alguns se beneficiaram, adquirindo lojas por um preço muito abaixo daquele determinado pela prefeitura de São Paulo no edital da concessão.
Desde 2021, o espaço é administrado pela Circuito de Compras, uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) controlada pelo fundo Talismã, com 90% de participação, e que tem a ZSRX Investimentos como acionista minoritária.
As investigações, conduzidas desde 2022, revelaram que os principais cotistas do Talismã envolvidos no caso são Lak Jung Son, Rubens Elias Zogbi Filho e Bruno Guedes Pereira. Os donos da ZSRX são Paulo Zhu, Ronaldo Zhu e Chen Wefen.
Os seis empresários são apontados pela polícia como pivô de um esquema de fraude na administração de contratos de locação dos boxes e lojas do shopping, montando uma administração paralela.
Sob a condição de anonimato, pessoas que acompanham as investigações policiais afirmaram ao Painel S.A. que cabia à ZTRX (controlada pelos mesmos sócios da ZSRX) a função de realizar os contratos de corretagem com os vendedores dos estandes.
Paulo Zhu e seu filho Ronaldo compraram quatro lojas no edifício; Chen Wenfen, duas; Lak Jung Son, seis e Rubens Zogbi, uma. Os documentos em posse da polícia mostram que essas operações foram realizadas a preços muito abaixo do mínimo definido pela prefeitura no edital de concessão do espaço.
Esses negócios saíram por R$ 1,6 milhão a menos do que deveria, ainda segundo as investigações. Os valores da transação, no entanto, não foram informados.
No empreendimento de 182 mil metros quadrados, funcionam mais de 5.000 boxes e lojas.
Antecedentes
As denúncias de abusos desse grupo foram discutidas na CPI da Pirataria pela Câmara Municipal de São Paulo ao longo de 2022. À época, Paulo Zhu e Rubens Zogbi foram convocados para prestar depoimento e afirmaram que o investimento no shopping não teria dado o retorno esperado.
Além disso, disseram que a prefeitura não fiscalizava a pirataria no local, algo que consideravam como concorrência desleal.
Eduardo Badra, que foi o CEO da Feira da Madrugada até maio de 2022, e Manoel Simião Sabino Neto foram apontados como mentores dos esquemas investigados.
Uma auditoria interna, montada pelo Talismã para apurar as denúncias, revelou que Badra não só sabia como monitorava a gestão paralela conduzida por Sabino e pelo grupo de empresários.
Com as provas iniciais, o fundo de investimentos decidiu afastar Badra e toda a diretoria.
Badra segue sob investigação. Sabino chegou a ser preso em maio de 2022, mas cumpre prisão domiciliar. Ele é investigado em outros casos de loteamento irregular de espaços nas ruas do Brás.
Revelações
As investigações da Polícia Civil mostram que a antiga diretoria criou uma divisão própria dentro do shopping para controlar as atividades. Há relatos de agressões físicas, estelionato e extorsão contra comerciantes que foram sorteados para assumirem boxes, fizeram o pagamento, não receberam as chaves, e tiveram o espaço vendido para outras pessoas. Quem reclamou foi ameaçado ou agredido.
Procurado, o Circuito de Compras não quis se manifestar. A coluna tentou contato com todos os envolvidos.
Ao Painel S.A., Paulo Zhu negou irregularidades e disse que nenhum sócio da ZSRX ou cotistas do Talismã podem aprovar propostas comerciais. Segundo ele, todas as transações feitas pelo grupo foram aprovadas pela diretoria à frente do shopping na época.
"Eu, como sócio da empresa, em parte, estou super tranquilo quanto a legalidade das transações e assim que o inquérito e o processo terminarem, irei entrar contra uma ação de calúnia, difamação e indenização contra o atual diretor e quem mandou fazer o B.O.", disse o empresário.
Zhu também alega que estão fazendo "fumaça" por um suposto prejuízo, já que a atual diretoria não conversou com ele sobre as transações que estão sob investigação. Afirma que o Talismã está perseguindo os apontados na investigação porque estão tentando destituir a atual diretoria.
"Infelizmente, o quotista majoritário da empresa tem um grande conflito de interesse junto a companhia [Circuito de Compras], pois ele é, ao mesmo tempo, acionista e o maior credor da empresa", afirma.
Por meio de seu advogado, Rubens Zogbi Filho disse que Polícia Civil foi induzida a erro [na investigação] porque atua somente com a versão da Circuito de Compras. Nega qualquer tipo de irregularidade e afirma que, ao fim da apuração, "restará bem demonstrada a dimensão da irresponsabilidade dos atuais representantes da Circuito de Compras.
Zogbi, representado pelo advogado Paulo Naves Testoni, diz que a atual gestão "instrumentalizou a administração da Justiça para macular a honra de profissionais comprometidos com a seriedade" e afirma que esse grupo vem promovendo "as mais variadas formas de comportamento inidôneo para se livrarem do pagamento de uma dívida que está sendo formalmente cobrada no juízo cível competente".
O empresário informa que tomará as medidas judiciais cabíveis após o encerramento do procedimento policial para reparação do dano moral e material a que foi submetido.
A coluna não conseguiu contato com os demais envolvidos.
Com Diego Felix
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