Descrição de chapéu Folhainvest Selic juros

Fundos imobiliários perdem R$ 1,8 bilhão com inadimplência de empresas

Controlados pelo mesmo grupo econômico, FIIs de papel somam 550 mil cotistas e desabam 40% no ano

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São Paulo

Após os fundos imobiliários de galpões logísticos sofrerem com a inadimplência de grandes varejistas, a falta de pagamentos agora afeta o desempenho de quatro fundos que investem em CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários).

Os fundos Hectare CE, da gestora Hectare Capital, o Devant Recebíveis Imobiliários, da Devant Asset, e os fundos Tordesilhas e Versalhes, da RCap Asset acumulam desvalorização de cerca de 40% na Bolsa desde o início do ano. Juntos, eles têm aproximadamente 550 mil cotistas.

Desde o início do ano, o valor de mercado dos quatro fundos já desabou cerca de R$ 1,79 bilhão, passando de R$ 3,97 bilhões no final de dezembro para R$ 2,17 bilhões no dia 13 de abril, segundo dados compilados pela plataforma TradeMap, uma desvalorização de 45%.

A reportagem procurou as empresas Hectare, Devant, RCap e RTSC e deu o prazo de uma semana, mas elas não responderam até a publicação deste texto.

Fachada do shopping Feira da Madrugada, no Brás, no centro de São Paulo, com barracas de toldo laranja de ambulantes vendendo roupas coloridas na entrada
Shopping Feira da Madrugada, no Brás, no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 29.mar.2023/Folhapress

Também conhecidos como fundos de papel, esse tipo de aplicação empresta o dinheiro captado junto aos investidores para financiar obras, em especial nos setores de varejo e turismo. Para isso, compram cotas dos CRIs emitidos pelas empresas responsáveis pelos empreendimentos, em troca de uma taxa fixa de remuneração, que geralmente prevê pagamento periódico de juros.

Ao longo do ciclo de alta da Selic (taxa básica de juros), esses fundos estiveram entre os preferidos dos investidores, já que os títulos que eles compram têm como indexador o CDI, que vinha em trajetória ascendente, ou o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), também em patamares elevados.

A alta dos juros, no entanto, aumentou o tamanho da dívida das empresas, que passaram a ter dificuldades para pagar todas as obrigações junto aos fundos.

"A queda nos últimos meses foi o mercado tentando se antecipar a essa piora nas condições de crédito dos títulos nas carteiras dos fundos", diz Marx Gonçalves, analista de fundos imobiliários da Nord Research.

As gestoras responsáveis pelos fundos têm o mesmo controlador, o grupo RTSC, além de possuírem dívidas emitidas pelas mesmas empresas.

"Um problema que aconteceu é que, conforme os fundos foram crescendo de tamanho, não houve uma diversificação, com o risco se concentrando nos mesmos devedores", diz Leonardo Veríssimo, analista de fundos imobiliários da Guide Investimentos.

Entre as empresas emissoras dos CRIs inadimplentes está a GPK (Gramado Parks), responsável por empreendimentos turísticos no município gaúcho, a WAM Holdings, que atua no setor de multipropriedades, e o Circuito de Compras, que opera o shopping Feira da Madrugada no Brás, em São Paulo.

Segundo cálculos do analista da Guide, os papéis inadimplentes representam fatias relevantes nas carteiras, de cerca de 14% no caso do Tordesilhas, de quase 48% no Versalhes, e em torno de 30% e 22% nos fundos da Hectare e da Devant, respectivamente. "Se tivermos novos fatos relevantes sobre aumento da inadimplência, a tendência é que os fundos caíam mais de preço", diz.

No investimento no Circuito de Compras, outro fundo da RCap, o XBXO11 tem como único investimento em carteira um FIP (Fundo de Investimento em Participação) que detém o controle do empreendimento na região central de São Paulo.

Nesse caso, o dinheiro dos investidores aportado nos CRIs serviu para fazer um empréstimo para um empreendimento detido indiretamente por um dos fundos de uma gestora que compõe o mesmo grupo econômico das demais, com os fundos, portanto, nas duas pontas, tanto como sócios do negócio quanto como credores, diz Veríssimo, da Guide.

O conflito relacionado ao caso do shopping da Feira da Madrugada motivou uma denúncia junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Empresa que estruturou certificados é do mesmo grupo

A empresa responsável pela estruturação de muitos dos CRIs presentes nas carteiras, a Fortesec, é também uma controlada da RTSC.

A Fortesec informou em nota que os CRIs inadimplentes estão em fase de renegociação e que todas as mudanças de cenário macroeconômico têm sido consideradas.

"A Fortesec tem o mesmo controlador que as gestoras —modelo comum no mercado financeiro e adotado por diversas instituições de grande porte. Gestoras essas que aprovaram em seus regulamentos a compra de operações emitidas pela Fortesec", informou a empresa.

Gonçalves, da Nord, diz, no entanto, que o modelo compartilhado adotado pelas gestoras e pela empresa de estruturação dos CRIs não costuma ser observado na maior parte do mercado. "Eles são uma exceção, e há até certa polêmica em relação a esse modelo adotado."

Sócio do Clube FII e professor de finanças, Arthur Vieira de Moraes explica que, pelas regras de mercado, em casos em que há algum risco de conflito de interesse, a gestora convoca assembleia de cotistas e precisa obter a aprovação de pelo menos 25% dos investidores para seguir com a operação. "Como é o dinheiro do cotista envolvido, o gestor explica o conflito e cabe ao cotista decidir."

Ele diz que esses fundos são conhecidos como "high yield", ou de alto rendimento, e tradicionalmente embutem um nível de risco maior em troca de uma expectativa de retorno mais alta.

"Se os fundos oferecem uma alta rentabilidade, é porque investem em ativos mais arriscados", diz, acrescentando ser comum encontrar nas carteiras títulos com taxas de remuneração na casa dos dois dígitos. "Quem investe deveria estar ciente de que está assumindo um risco bem maior."

Na opinião de Moraes, a queda registrada nos fundos é exagerada, considerando que, mesmo que os CRIs não paguem as dívidas em aberto, as operações contam com garantias a serem executadas.

Gonçalves, da Nord, diz que, com um cenário macroeconômico em que os juros e a inflação continuam em níveis elevados, não vê espaço para uma recuperação dos fundos no curto prazo.

Segundo o analista, há fundos de papel que correm menos risco, conhecidos como "high grade", ou grau de investimento, e de tijolos, que investem em lajes corporativas, com perspectivas mais favoráveis para o investidor que busca alternativas para compor a carteira.

Fundos cortam dividendos distribuídos aos cotistas

As gestoras anunciaram reduções importantes no pagamento de dividendos aos cotistas, um dos principais chamarizes da categoria.

A Devant informou, no dia 10, que irá distribuir R$ 0,70 por cota em abril, uma queda de 22% na comparação com março. Já a Hectare fará o pagamento de R$ 0,50 por cota, recuo de 28,5%. No Versalhes, os dividendos serão de R$ 0,03, queda de 50%, enquanto o Tordesilhas informou que não fará distribuição de dividendos no mês.

Segundo relatório de gestão de fevereiro da Hectare e da Devant, quando alguns dos CRIs em carteira já davam indícios de insuficiência financeira para honrar seus compromissos, o cenário macroeconômico de juros altos e a pandemia contribuíram para os problemas, além da proposta de estratégias envolver um nível maior de risco.

"Além das particularidades de cada ativo, o cenário macroeconômico exerce influência significativa no desempenho das operações. É importante que o investidor tenha essa sensibilidade ao analisar a performance de qualquer produto de investimento", indicou a Devant.

A Hectare pontuou que a estratégia do fundo "vai além do tradicional praticado pela média do mercado, mirando uma maior rentabilidade através da exposição a segmentos considerados menos óbvios e a operações de estrutura mais complexa."

Ainda segundo os gestores da Devant, a movimentação nas cotações recentes do fundo pode estar relacionada a uma piora recente do cenário macroeconômico, mas principalmente ao efeito de manada. "Conceito que define um mesmo comportamento de vários indivíduos sem que haja racionalidade para tal."


Fundos que enfrentam dificuldades após inadimplência de CRIs

  • Fundo: Hectare CE
  • Código: HCTR11
  • Valor de mercado: R$ 1,16 bilhão
  • Número de cotistas: 208,9 mil
  • Queda em 2023: -47,6%
  • Fundo: Devant Recebíveis Imobiliários
  • Código: DEVA11
  • Valor de mercado: R$ 733,8 milhões
  • Número de cotistas: 133,2 mil
  • Queda em 2023: -40,1%
  • Fundo: Tordesilhas Empreendimentos Imobiliários
  • Código: TORD11
  • Valor de mercado: R$ 133,2 milhões
  • Número de cotistas: 107,3 mil
  • Queda em 2023: -48,3%
  • Fundo: Versalhes Recebíveis Imobiliários
  • Código: VSLH11
  • Valor de mercado: R$ 144,5 milhões
  • Número de cotistas: 95,2 mil
  • Queda em 2023: -46,7%

Fontes: TradeMap e Bloomberg

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