Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

O mundo de Donald  Trump é mesmo curioso. Quando um branco é autor de um massacre, ele tem problemas mentais. Se o assassino é estrangeiro, ele é terrorista e é preciso fechar as fronteiras dos EUA.

No dia 31 de outubro de 2017, quando um imigrante do Uzbequistão atropelou corredores e ciclistas em Nova York, matando 8 pessoas e ferindo 11, o presidente Donald Trump correu para o Twitter para condenar os estrangeiros terroristas "que vêm para os Estados Unidos matar pessoas".

"O terrorista entrou no nosso país pelo programa de loteria de visto de diversidade, uma beleza do senador (democrata) Chuck  Schumer. Eu quero (imigração) baseada em mérito", tuitou Trump após o ataque.

O programa de loteria dá vistos para cidadãos de nacionalidades pouco representadas nos Estados Unidos, e é um dos alvos da reforma migratória que Trump tenta implementar —ele quer acabar com a loteria, com os vistos em cadeia, que permitem trazer parentes, e construir o muro com o México.

"Migração em cadeia precisa acabar agora! Algumas pessoas entram, trazem a família toda, e alguns podem ser realmente maus", comentou no Twitter.

"Não vamos permitir que o Estado Islâmico retorne ou entre em nosso país após derrotá-lo no oriente Médio e outros lugares. Basta!", disse.

De fato, o assassino havia jurado lealdade ao Estado Islâmico. Mas isso não justifica dizer que todos os beneficiários da loteria de vistos ou da imigração em cadeia são terroristas.

 

O autor do massacre em Parkland, Flórida, é um jovem branco, de olhos claros, que era membro de uma organização supremacista cujo líder afirmou: "é inevitável que as pessoas enlouqueçam, porque vivemos em uma sociedade inerentemente doente" por causa do "hiperigualitarismo e feminismo".

O que Trump tinha a dizer sobre isso? Ele condenou os movimentos supremacistas brancos? Criticou a facilidade com que indivíduos violentos e potencialmente com perturbação mental compram fuzis semiautomáticos  AR-15? Não.

"Tantos sinais de que o atirador da Flórida tinha distúrbios mentais: foi até expulso da escola por mau comportamento. Vizinhos e colegas de classe sabiam que ele tinha problemas. É preciso avisar as autoridades nesses casos, sempre!", disse Trump no Twitter, após a tradicional mensagem de condolências.

Segundo levantamento do site Vox, desde que Trump assumiu, mais americanos foram mortos por homens americanos brancos sem conexões com o islamismo do que por terroristas estrangeiros. Foi um homem branco de 64 anos que matou 58 pessoas em Las Vegas no ano passado.

Mas não se viu Trump condenar o acesso a armas ou visões extremistas quando os assassinos eram brancos.

Quando supremacistas brancos causaram a morte de uma mulher em um protesto em Charlottesville, em agosto do ano passado, Trump afirmou que "havia culpa dos dois lados" (neonazistas e pacifistas) dizendo que "ambos eram muito violentos".

Após o tiroteio em uma igreja do Texas, em novembro passado, Trump afirmou que o massacre, que deixou 26 mortos, "não era uma situação de armas", mas "um problema de saúde mental em seu mais alto nível".

Vale lembrar que foi o próprio Trump que, no começo do ano passado, derrubou um decreto presidencial de Barack Obama que impedia pessoas que recebiam ajuda da previdência social por doença mental de comprar armas.

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