Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

O mundo na visão dos diplomatas

Livro reúne artigos dos planejadores de políticas de 19 países

Provavelmente, o mais famoso diretor de planejamento diplomático da História tenha sido George Kennan, autor do “longo telegrama” e do “artigo X”, que alertavam para a necessidade contenção do expansionismo soviético e foram pilares da Guerra Fria.  

Ao longo dos anos, o cargo teve maior ou menor relevância, dependendo dos governos, mas os escritos de diretores de planejamento diplomático (ou de planejamento de políticas) são sempre uma janela útil para o pensamento de longo prazo em política externa.

Daí a importância do livro "The Road Ahead. The 21st Century World Order in the Eyes of Policy Planners (O caminho à frente: a ordem mundial no século 21 na visão dos planejadores de políticas", dos diplomatas brasileiros Benoni Belli e Filipe Nasser, a ser publicado (apenas em inglês) em setembro pela Fundação Alexandre de Gusmão, divisão do Itamaraty para ensino de política externa.

O livro reúne textos de 19 diretores de planejamento diplomático de países como Turquia, Itália, Alemanha, Chile, Estados Unidos, Rússia, Argentina, China, e, obviamente, Brasil.

No texto de Brian Hook, diretor de planejamento de políticas do departamento de Estado dos EUA, é interessante notar algumas das preocupações e prioridades do governo Trump.

Referindo-se ao hemisfério ocidental, ele diz que “o que diferencia os EUA de outras potências mundiais atuando no hemisfério ocidental é nosso desejo de atingir objetivos através de parceria. Rússia e China têm uma abordagem mais transacional na região. A China tenta puxar a região para sua órbita por meio de arranjos desequilibrados de infraestrutura e crédito.”

Difícil convencer aliados tradicionais dos EUA no hemisfério, como Canadá e México, que a abordagem americana é menos transacional, ainda mais em meio à imposição de tarifas sobre aço e alumínio dos supostos aliados, em nome de segurança nacional, e da pressão que beira a chantagem na negociação do novo Nafta.

“Na América do Sul, acreditamos no foco em ligações e na derrubada de barreiras ao comércio…” –de novo, uma grande distância entre discurso e ação.

O texto de Oleg Stepanov, o diretor de planejamento diplomático da Rússia, também nos traz insights interessantes, além das inevitáveis alfinetadas nos EUA. “Entre as questões sistêmicas desestabilizadoras está a obstinação míope de alguns no Ocidente em preservar, a qualquer custo, sua declinante dominância no mundo.”

Ou, muitas vezes, transparece a falta de autocrítica.

“(…) O Ocidente, liderado pelos EUA, desenvolveu políticas neocolonialistas para dominar países em desenvolvimento através de intercâmbio econômico injusto, pressão militar direta e uso de empresas transnacionais. Entre as outras ferramentas empregadas são a corrupção oficial, incitamento a conflitos étnicos e religiosos, entrega clandestina de armas e as supostas intervenções humanitárias.”  

Isso tudo vindo de um integrante de um governo que se destaca pelas acusações de corrupção e pela anexação da Crimeia.

O artigo sobre o Brasil é de autoria dos organizadores do livro, Benoni Belli, secretário de Planejamento Diplomático do Ministério das Relações Exteriores, e Filipe Nasser, assessor sênior na secretaria de Planejamento Diplomático.

Para Benoni, a ordem internacional enfrenta hoje uma crise existencial porque perde apoio entre os antigos garantidores dessa ordem, as potências estabelecidas.

“Há um maior descompromisso com as regras multilaterais como a melhor via para superar diferenças e regular a vida das nações. Não que antes isso fosse perfeito, mas os questionamentos que vemos hoje à OMC, ao Acordo de Paris, aos processos de integração identificados como globalistas, aos valores de direitos humanos e de acolhida de refugiados, à própria democracia representativa têm efeito mais amplo porque parecem ter se deslocado para o centro do sistema. Não são periféricos. O paradoxo é que a crise ocorre no momento em que mais necessitamos de soluções multilaterais, tendo em vista a natureza transnacional e global de muitos problemas, da mudança do clima ao comércio, do desarmamento à segurança alimentar, das epidemias aos crimes internacionais.”

Neste momento de ameaça existencial às instituições multilaterais criadas no pós-guerra, toda a discussão sobre a necessidade de reforma dessas instituições ficou de lado —e o Brasil, que já foi um dos principais defensores dessas reformas, abandonou essa cruzada, pelo menos nos últimos três anos.

“O tema da reforma dessas instituições ficará dormente até que as ameaças mais sérias à economia global possam ser superadas. O Brasil não abandonou completamente o discurso sobre isso, mas sabe que a conjuntura não é favorável para reformas ambiciosas quando a prioridade é evitar que os pilares da ordem pós-Guerra desmoronem”, disse Benoni, em entrevista por email.

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