Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Trump não dá a mínima para infraestrutura 

Há algo de intrigante nisso, pois teria grandes vantagens econômicas e políticas

Trump sempre se dobra diante da ortodoxia republicana - AP

Donald  Trump não dá a mínima para barragens. Ou pontes. Ou estradas. Ou sistemas de esgotos. Ou qualquer das outras coisas de que falamos quando falamos em infraestrutura.

Mas como isso é possível quando ele acaba de anunciar um plano de US$ 1,5 trilhão para a infraestrutura? É fácil: não é um plano, é um engodo. A cifra de US$ 1,5 trilhão é inventada; Trump está propondo gastos federais de apenas US$ 200 bilhões, um valor que se supõe que de alguma maneira vá induzir magicamente um aumento geral imensamente maior nos investimentos em infraestrutura, pago principalmente por governos estaduais e locais (que não estão exatamente com dinheiro sobrando, mas e daí?) ou pelo setor privado.

E mesmo a cifra de US$ 200 bilhões é essencialmente fraudulenta: a proposta de orçamento anunciada no mesmo dia prevê não penas cortes selvagens das verbas para a população pobre, mas também cortes grandes dos recursos para o Departamento dos Transportes, o Departamento de Energia e outras agências que teriam envolvimento crucial em qualquer plano infraestrutural para valer. Realisticamente falando, a oferta de Trump para a infraestrutura não representa nada.

Isso não quer dizer que o plano seja completamente sem sentido. Uma parte do plano diz que ele autorizaria a venda federal de bens que seriam mais bem administrados por entidades estaduais, locais ou privadas. Traduzindo: vamos privatizar tudo que for possível. É concebível que isso só seria feito nos casos em que o setor privado realmente faria melhor. E que os contratos seriam distribuídos de modo justo, sem qualquer indício de favorecimento indevido. E, se você acredita nisso, tenho um diploma da Trump University que você pode querer comprar.

Em um nível, nada disso deveria nos surpreender. O não-plano infraestrutural atual se parece muito com a proposta incompleta que a campanha de Trump apresentou em 2016, quando ele ainda estava fazendo de conta que era um republicano de um tipo diferente, menos comprometido com a ortodoxia econômica do partido. Mesmo então Trump já dizia que poderia reformar a infraestrutura gastando pouco, que de alguma maneira uma relativa ninharia de dinheiro federal seria capaz de gerar investimentos enormes (se bem que o misterioso efeito multiplicador tenha ficado ainda maior desta vez).

Mas há algo de intrigante no fato de Trump não ter apresentado um plano infraestrutural que seja mesmo remotamente plausível. Afinal, tal programa teria grandes vantagens econômicas e políticas.

Começando pelo lado econômico: os EUA precisam urgentemente reparar e modernizar sua malha viária, sistemas de água, rede elétrica e mais, que estão deteriorados. É verdade que não somos mais uma economia deprimida que necessita de investimentos públicos para dar trabalho aos desempregados; gastos maciços com infraestrutura teriam sido uma ideia ainda melhor cinco anos atrás. Mas reformar nossa infraestrutura ainda é algo que precisa ser feito.

De onde viria o dinheiro? Bem, se você não se preocupar com deficits e, como acabamos de ver, os republicanos não se preocupam nem um pouco com deficits, desde que o ocupante da Casa Branca não seja um democrata --, podemos tomar emprestado, simplesmente. Apesar da alta discreta nas taxas de juros, o governo federal ainda pode emprestar muito barato: os juros sobre os títulos de longo prazo protegidos contra a inflação ainda são inferiores a 1%, abaixo das estimativas realistas do crescimento econômico de longo prazo, o que dirá os números de fantasia anunciados pela administração Trump. Portanto, tomar emprestado agora para pagar por infraestrutura essencial ainda faria sentido econômico.

Como eu já disse, haveria vantagens políticas também. Se Trump simplesmente levasse adiante um plano de investimentos públicos convencional, ele poderia alardear o número de trabalhadores empregados nas novas obras. Além disso, certamente poderia encontrar uma maneira de dar seu nome a muitos desses projetos. Historicamente, muitos políticos tiveram algo conhecido como complexo de edificação o anseio de erguer grandes obras para promover sua imagem e seu nome e alimentar sua vaidade. Essa perspectiva certamente agradaria a Trump, mais que ninguém.

Vale lembrar que alguns democratas temiam que Trump apostasse alto na infraestrutura, algo que poderia dividir o Partido Democrata e, além disso, ser muito bem recebido pela população.

Ah, mais uma questão: gastos públicos podem render muitos lucros privados. Um programa infraestrutural envolvendo dinheiro real poderia ser muito lucrativo para cupinchas de Trump ou para o próprio Trump. Sim, há regras que visam evitar esse tipo de beneficiamento, mas será que alguém imagina que essas regras possam ser aplicadas sob a administração atual?

Então por que Trump não está propondo algo real? A que se deve esse arremedo de proposta que todo o mundo sabe que não vai a lugar algum?

Parte da resposta é que, na prática, Trump sempre se dobra diante da ortodoxia republicana, e o Partido Republicano moderno odeia qualquer programa que possa mostrar à população que o governo pode funcionar e pode ajudá-la.

Mas desconfio também que Trump tenha medo de tentar qualquer coisa de mais substância. Para fazer investimentos públicos que dão certo, é preciso liderança e conselhos de especialistas. E esta administração não gosta de ouvir conselhos de especialistas em nenhuma área. Não apenas os especialistas têm o hábito desagradável de nos dizer coisas que não queremos ouvir, como a lealdade deles é suspeita: nunca se sabe quando sua ética profissional não pode se manifestar.

Assim, a administração Trump provavelmente não conseguiria redigir um plano infraestrutural real, mesmo que o quisesse. E foi por isso que não o fez.

Tradução de CLARA ALLAIN 

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