Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

A genialidade muito estável do Obamacare

A questão mais importante na mente dos eleitores parece ser o sistema de saúde

As primeiras páginas dos jornais dos Estados Unidos continuam, compreensivelmente, a ser dominadas pelos cerca de 130 mil escândalos que afetam o governo Trump no momento. Mas as pesquisas de opinião pública sugerem que o fedor da corrupção, por mais intenso que seja, não deve dominar as eleições legislativas deste ano. Na verdade, a questão mais importante na mente dos eleitores parece ser o sistema de saúde.

E é preciso dizer que os eleitores estão certos. Se os republicanos mantiverem o controle das duas casas do Congresso, podemos prever seguramente que farão nova tentativa de revogar o Obamacare, privando entre 25 milhões e 30 milhões de americanos de seus planos de saúde. Por quê? Porque suas tentativas de sabotar o programa continuam a fracassar, e o tempo está acabando.

Não estou afirmando que a sabotagem foi um completo fracasso. O governo Trump teve sucesso em forçar uma grande alta nas mensalidades dos planos de saúde - e uso o termo "sucesso" porque esse era definitivamente o objetivo.

O número de inscrições nos mercados de planos de saúde criados pela Lei de Acesso à Saúde também se reduziu, de 2016 para cá - e o declínio quase todo aconteceu nos mercados administrados pelo governo federal, e não nos estaduais; além disso, o número de americanos desprovidos de planos de saúde, depois de cair dramaticamente no governo Obama, voltou a subir.

Mas o que os republicanos desejavam, aquilo para o qual planejaram, era uma "espiral da morte", uma queda cada vez maior nas inscrições acompanhada por disparada nos custos. E embora as constantes afirmações de que uma espiral da morte está acontecendo tenham tido seu efeito - a maioria do público acredita que os mercados de planos de saúde estão em colapso -, isso não é fato. Na verdade, o programa se provou notavelmente estável, se você levar em conta o fato de que está sendo administrado por pessoas que estão tentando fazer com que ele fracasse.

Qual é o segredo da estabilidade do Obamacare? A resposta, ainda que ninguém acredite, é que as pessoas que o criaram foram extremamente inteligentes. A realidade política as forçou a desenvolver um mecanismo complexo para atingir objetivos basicamente simples; todos os especialistas em saúde progressistas que conheço prefeririam simplesmente estender a cobertura do plano federal de saúde Medicare a todos os cidadãos dos Estados Unidos, mas isso claramente não seria possível. O que eles conseguiram foi criar um sistema muito robusto e resistente a choques, entre os quais o choque de uma Casa Branca determinada a destrui-lo.

Originalmente, o Obamacare deveria operar em base tripla. As operadoras de planos de saúde foram proibidas de discriminar segurados com  base em problemas de saúde preexistentes; os indivíduos tinham a obrigação de adquirir planos de saúde que atendessem a certos padrões mínimos - o chamando "mandato individual" -, mesmo que eles não tivessem problemas de saúde no momento; e o governo oferecia subsídios para tornar os custos dos planos de saúde acessíveis.

Os republicanos, porém, fizeram tudo que podiam para eliminar uma dessas bases antes mesmo de revogarem o mandato individual: eles reduziram drasticamente os esforços de divulgação, em uma tentativa de desencorajar os norte-americanos saudáveis de se inscreverem no Obamacare.

O resultado é que a população que vem se inscrevendo no sistema é menor e tem padrão de saúde inferior do que teria sido o caso em outras circunstâncias, o que força as operadoras de planos de saúde a cobrar mensalidades mais altas.

Mas é para isso que foram criados os subsídios.

Nos termos da Lei de Acesso à Saúde, os americanos mais pobres têm cobertura do programa federal de saúde Medicaid, e por isso os preços dos planos de saúde privados não importam. Enquanto isso, muitas das pessoas com renda mais alta - de até quatro vezes o valor que representa a linha da pobreza, ou mais de US$ 95 mil para uma família de quatro pessoas - têm direito a subsídios. Isso representa 59% da população dos Estados Unidos, mas, porque muitas das pessoas com renda mais alta obtêm planos de saúde por meio de seus empregadores, esse grupo responde por 83% das inscrições para os mercados de planos de saúde do Obamacare. E o ponto importante é que os subsídios não são fixos. A fórmula aplicada pelo plano estipula que o subsídio seja alto o bastante para impedir que o custo das mensalidades de planos de saúde ultrapasse determinada porcentagem da renda familiar.

O que isso significa é que dos 27 milhões de americanos que obtiveram cobertura por meio da expansão do Medicaid ou adquiriram planos de saúde nos mercados criados pelo Obamacare, apenas dois milhões estão expostos aos aumentos de mensalidades forçados pelas manobras de Trump. Isso ainda quer dizer muita gente, mas não basta para dar início a uma espiral da morte. De fato, por motivos complicados ("silver loading" - nem queira saber), o custo pós-subsídio dos planos de saúde na verdade caiu para muitos beneficiários.

E isso causa muita frustração ao Partido Republicano.

Desde o começo, os republicanos odiaram o Obamacare não porque acreditavam que fracassaria, mas porque temiam que tivesse sucesso, e assim demonstrasse que o governo pode de fato fazer coisas que melhoram a vida das pessoas. E o pesadelo deles está gradualmente se realizando. Ainda que o processo tenha demorado bastante, a Lei de Acesso à Saúde está enfim se tornando popular, e a preocupação do público de que os republicanos venham a destrui-la se tornou uma importante vulnerabilidade política.

O que isso me mostra é que se os republicanos conseguirem manter o controle do Congresso, farão novo esforço para destruir o Obamacare - porque sabem que essa provavelmente será sua última chance. A realidade é que se eles não conseguirem destruir o Obamacare em breve, o próximo passo provavelmente será um programa reforçado que permitirá que americanos de todas as idades se tornem beneficiários pagos do Medicare.

Por isso, os eleitores estão certos em acreditar que o sistema de saúde é uma questão importante na eleição deste ano. Pode ser que essa não seja a questão mais importante que está em jogo - afinal, seria possível afirmar que a democracia americana está em risco. Mas ainda assim a saúde é uma questão muito importante.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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