Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu

A esperança de um Ano-Novo verde

New Deal Verde é uma boa, mas é importante ir além do slogan atraente

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The New York Times

É preciso que sejamos honestos: a nova maioria democrata na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos não será capaz de implementar novos projetos de lei.

Ficarei atônito caso haja acordo bipartidário quanto a qualquer assunto importante –mesmo sobre a infraestrutura, quanto à qual os dois lados afirmam desejar ação, ainda que o verdadeiro desejo dos republicanos seja o de privatizar ativos públicos.

Com isso, as consequências imediatas da virada no balanço do poder em Washington não envolverão a implementação efetiva de políticas públicas; elas virão principalmente do poder que os democratas adquiriram para recorrer a intimações na investigação do fétido pântano de corrupção da era Trump.

Mas isso não significa que os democratas deveriam ignorar as questões de política pública. Pelo contrário: o partido precisa passar os dois próximos anos descobrindo o que, exatamente, deve buscar fazer caso recupere o poder de propor políticas públicas, em 2021.

O que me conduz ao grande slogan do momento na área da política pública: o New Deal Verde. Isso é de fato uma boa ideia?

Sim, é. Mas é importante ir além do slogan atraente e decidir sobre o máximo possível de detalhes. Não queremos que os democratas sejam como os republicanos, que passaram anos falando muito sobre revogar o Obamacare mas jamais desenvolveram uma alternativa realista a ele.

Assim, o que quer dizer um New Deal Verde? Não está claro de todo, e é por isso que a expressão representa um bom slogan: pode significar diversas coisas boas.

Mas o interesse principal, no meu entendimento, é que devemos tomar medidas abrangentes para enfrentar a questão da mudança no clima, e que essas medidas devem acentuar o positivo, e não o negativo.

É especialmente importante que elas enfatizem investimentos e subsídios, e não impostos sobre as emissões de carbono.

Mas calma lá: não deveríamos estar considerando criar impostos sobre as emissões de carbono? Em princípio, sim.

Como dirá qualquer economista profissional, há grandes vantagens em desencorajar a poluição por meio de medidas que estipulem um preço para as emissões, o que pode ser feito ou pela criação de um imposto ou pela criação de um sistema de mercado sob o qual os interessados negociariam licenças de emissão.

É Economia básica. Um imposto sobre a poluição ou algo equivalente cria incentivos de base ampla, de uma forma que políticas menos abrangentes não poderiam.

Por quê? Porque encoraja as pessoas a reduzir suas emissões de carbono de todas as maneiras possíveis, do uso de energia renovável à conservação, passando pela mudança de seus hábitos de consumo de forma a evitar produtos cuja fabricação envolva dispêndio elevado de energia.

Mas um imposto sobre o carbono não deixa de ser um imposto –o que irritará as pessoas que terão de pagá-lo. Sim, a receita do imposto sobre o carbono poderia ser usada para reduzir outros impostos, mas convencer número suficiente de pessoas de que isso seria melhor para elas, no cômputo geral, é uma batalha muito difícil.

E afirmações de que um imposto sobre o carbono alto o bastante para fazer diferença atrairia apoio bipartidário significativo são na melhor das hipóteses uma fantasia, e na pior um complô do setor de energia para evitar medidas significativas.

O ponto é que buscar uma política menos que ideal, mas vendável, ao menos inicialmente, seria melhor que deixar de fazer o bem por não poder fazer o melhor.

Foi essa a lição da reforma do sistema de saúde: não havia chance de aprovar um sistema de saúde público bancado integralmente pelo governo, na administração do presidente Barack Obama, mas um sistema híbrido meio desajeitado que combina o setor privado e o setor público, para preservar os planos de saúde bancados por empregadores, era factível –ainda que com muita dificuldade –, e com isso 20 milhões de americanos passaram a desfrutar de cobertura de saúde.

Agora que o princípio da cobertura universal foi mais ou menos estabelecido, uma transição gradual para uma versão do [programa de saúde federal] Medicare aplicável a todos os americanos está começando aparecer politicamente possível; mas é importante começar com políticas que obtenham grande progresso sem perturbar demais a vida das pessoas.

Poderíamos fazer progresso semelhante quanto à mudança do clima sem perturbar demais a vida dos americanos? Minha interpretação dos dados diz que sim.

A maioria das emissões de gases causadores do efeito estufa nos Estados Unidos vem da geração de eletricidade e dos transportes.

Poderíamos reduzir as emissões relacionadas à geração de eletricidade em dois terços ou mais ao abandonar o uso das usinas acionadas a carvão e ao promover uso maior de fontes renováveis de energia (cujos preços caíram drasticamente), sem requerer que os americanos consumam menos energia.

E quase certamente seria possível reduzir as emissões associadas aos transportes em medida semelhante, criando padrões mais rigorosos de economia de combustível para veículos e ampliando o uso de veículos elétricos, mesmo que o número de quilômetros dirigidos a cada ano não se reduza.

Esses são avanços que poderiam ser realizados por meio de uma combinação de incentivos positivos como créditos tributários e regulamentação não muito severa.

Se somarmos a isso o investimento em tecnologia e infraestrutura que apoie fontes alternativas de energia, um New Deal Verde que reduza dramaticamente as emissões começa a parecer prático, mesmo sem impostos sobre as emissões de carbono. E essas políticas criariam empregos visíveis na área de energia renovável, que já emprega muito mais gente que a mineração de carvão.

É claro que algumas pessoas sairiam prejudicadas, Os 53 mil americanos ainda empregados na mineração de carvão teriam de encontrar novos empregos (e auxiliar os trabalhadores de setores em transição seria parte do New Deal Verde).

Os lucros das companhias de combustível fóssil também cairiam; no entanto, já que essas empresas fazem quase todas as suas doações políticas a candidatos republicanos, no momento, não há motivo para que isso incomode os democratas.

Em termos gerais, porém, os democratas poderão fazer pela mudança no clima o que fizeram pelo sistema de saúde: desenvolver políticas que melhoram imensamente a situação e criam muito mais ganhadores do que perdedores. Não será possível implementar um New Deal Verde de imediato –mas eles deveriam começar a se preparar agora, para que estejam prontos para agir dentro de dois anos.

Tradução de Paulo Migliacci 

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