Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Os democratas ainda podem nos salvar

O que aprendemos na quarta foi que aqueles que definem a América por seus ideais, e não pelo domínio de um grupo étnico específico, não desistem facilmente

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O impeachment de Donald Trump na quarta-feira (18) não foi uma surpresa, nem um ponto de inflexão. Sabíamos havia semanas que a Câmara votaria pelo impeachment. Também sabemos, com tanta certeza quanto podemos saber qualquer coisa em política, que um Senado controlado pelos republicanos não condenará Trump e o destituirá do cargo; não pode nem fingir que considera a evidência. Portanto, seria fácil ser cínico sobre a coisa toda.

Mas não foi o que pareceu. Para mim, e sem dúvida para milhões de meus concidadãos, a quarta foi um dia muito emocionante —um dia de desespero e esperança ao mesmo tempo.

As razões para o desespero são óbvias. Poderíamos facilmente perder tudo o que a América deveria representar. O berço da liberdade pode muito bem-estar a apenas alguns meses de abandonar todos os seus ideais.

Mas também havia razões para esperança.

O presidente norte-americano Donald Trump durante cerimônia na Flórida, Estados Unidos - Tasos Katopodis/Getty Images/AFP

Os inimigos da liberdade são, aliás, tão sem-vergonha e corruptos quanto nos países, da Hungria à Turquia, onde a democracia efetivamente entrou em colapso. Mas os defensores da democracia americana parecem mais unidos e determinados do que seus colegas no exterior. A grande questão é se essa diferença —esse verdadeiro excepcionalismo americano— será suficiente para nos salvar.

Vamos recuar e perguntar o que aprendemos sobre os EUA nos últimos três anos.

Nunca houve dúvida de que Trump abusaria de seus poderes; ele telegrafou seu desprezo pelo Estado de direito, sua ânsia por explorar seu cargo para obter ganhos pessoais, desde o início. Durante algum tempo, porém, foi possível imaginar que pelo menos parte de seu partido defendesse os princípios democráticos.

Mas não era real. O que vimos na quarta foi um desfile de bajuladores comparando seu líder a Jesus Cristo, enquanto divulgavam teorias de conspiração desacreditadas, diretamente do Kremlin.

E, enquanto o faziam, o objeto de sua adoração estava dando um discurso interminável, divagador, ao estilo de ditador do Terceiro Mundo, cheio de mentiras, que oscilava entre grandiosidade e autopiedade, intercalado com reclamações sobre quantas vezes ele tem de dar a descarga em seu banheiro.

Os republicanos, em outras palavras, estão além da redenção; eles se tornaram apenas mais um partido autoritário dedicado ao princípio do líder. E, como partidos semelhantes em outros países, o Partido Republicano está tentando fraudar futuras eleições por meio de manipulação de distritos eleitorais e supressão de eleitores, criando um bloqueio permanente sobre o poder.

Mas se os apoiadores de Trump se parecem muito com seus pares em democracias fracassadas no exterior, seus oponentes não.

Um dos aspectos deprimentes da ascensão de partidos autoritários como o Fidesz na Hungria e o Lei e Justiça na Polônia tem sido a impotência de sua oposição --desunida, desorganizada, incapaz de fazer um desafio efetivo até aos autocratas impopulares enquanto eles consolidam seu poder.

O trumpismo, no entanto, enfrentou uma oposição determinada, unida e eficaz desde o início, o que se refletiu tanto nas marchas de multidões quanto nas vitórias eleitorais democratas. Em 2017, havia apenas 15 governadores democratas, em comparação com 35 republicanos; hoje, a diferença é de 24 para 26. E no ano passado, é claro, os democratas conquistaram uma vitória esmagadora nas eleições para a Câmara, o que tornou possível a audiência e o voto de impeachment.

Muitos dos novos congressistas democratas estão em distritos de tendência republicana, e alguns observadores esperavam que um número significativo desertasse na quarta-feira. Em vez disso, o partido se manteve quase completamente unido. Verdade, o mesmo aconteceu com seus oponentes; mas enquanto os republicanos pareciam, bem, perturbados em sua defesa de Trump, os democratas pareciam sóbrios e sérios, determinados a cumprir seu dever constitucional, mesmo que envolvesse riscos políticos.

Agora, nada disso significa necessariamente que a democracia sobreviverá. Mesmo tendo perdido eleições, os republicanos estão consolidando o controle sobre os tribunais e outras instituições nacionais.

Os líderes democratas no Congresso foram inesperadamente, até chocantemente impressionantes; o campo presidencial democrata, menos.

E a unidade de propósito que vimos na quarta-feira poderá não se manter no próximo mês de novembro. Se os democratas nomearem um progressista como Elizabeth Warren ou Bernie Sanders, os democratas ricos decidirão que defender a democracia é menos importante do que manter seus impostos baixos? Se o partido indicar um moderado como Joe Biden, alguns apoiadores de Sanders expressarão sua frustração da mesma maneira que fizeram em 2016, ficando em casa ou votando em um candidato de outro partido?

Dadas as apostas, eu gostaria de descartar essas preocupações, mas não posso.

Acrescente-se até que ponto as eleições do próximo ano serão fraudadas a favor de Trump, tanto pela supressão de eleitores quanto pela distorção introduzida pelo Colégio Eleitoral —e a distorção ainda maior criada por um mapa do Senado que dá aos Estados pequenos, majoritariamente conservadores, tanta representação quanto Estados liberais com população muitas vezes maior--, e é muito possível que o trumpismo ainda vença.

O que aprendemos na quarta-feira, no entanto, foi que aqueles que definem a América por seus ideais, e não pelo domínio de um grupo étnico específico, não desistem facilmente. A má notícia é que nossas pessoas más são tão más quanto quaisquer outras. A boa notícia é que nossas pessoas boas parecem extraordinariamente decididas a fazer a coisa certa.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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