Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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A covardia dos ranzinzas da dívida

Por que organizações 'responsáveis' estão permitindo a extorsão pelo Partido Republicano

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Os mercados financeiros estão finalmente percebendo a possibilidade de que em breve os Estados Unidos deixarão de pagar suas dívidas. As taxas de juros da dívida de curto prazo e o custo do seguro contra a inadimplência dispararam, refletindo os temores de que a dívida dos EUA não seja paga no prazo.

Poucas coisas sobre a ameaça de crise devem causar surpresa. Qualquer um que espere que um Partido Republicano na linha MAGA trumpiana, cujos apoiadores não acreditam que a eleição de Joe Biden foi legítima, não use como arma o limite do déficit –uma característica estranha do orçamento dos EUA que permite que o Congresso aprove projetos de gastos e depois se recuse a pagá-los– estava delirando.

Também não estou surpreso de que o governo Biden ainda não tenha adotado nenhuma das estratégias possíveis por meio das quais o teto da dívida poderia ser contornado. Muitas das objeções econômicas a tais estratégias estão erradas. Mas há riscos legais e políticos num esgotamento da dívida que pode corroer os mercados, e entendo a relutância do governo em mostrar seu jogo até o último minuto.

Uma coisa que surpreendeu, porém, foi a covardia dos autodenominados guardiões da responsabilidade fiscal.

O presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Kevin McCarthy, durante coletiva de imprensa; parlamentar é contra a aprovação de acordo que não corte gastos para lidar com o crescente déficit orçamentário. - Jonathan Ernst - 9.mai.2023/Reuters

Estou falando sobre os vários grupos –organizações empresariais como a Câmara de Comércio e a Mesa Redonda de Empresas, grupos de pensadores supostamente apartidários como o Comitê para um Orçamento Federal Responsável– que desempenharam um papel muito proeminente nos anos Obama, convencendo com sucesso grande parte da mídia e do meio político de que a dívida, e não a demora da recuperação, era o maior problema econômico enfrentado pelos EUA. A obsessão pela dívida, por sua vez, ajudou a manter o desemprego muito mais alto por muito mais tempo do que o necessário, custando milhões de empregos ao país.

Ora, eu costumava zombar desses grupos como sendo Pessoas Muito Sérias e ranzinzas do déficit, sugerindo que sua verdadeira agenda tinha mais a ver com a redução dos programas sociais –e dos impostos!– do que com preocupações reais sobre a dívida.

Ainda assim, era de se esperar que até mesmo esses grupos recuassem diante da ideia de política fiscal por meio de extorsão, que, além de violar qualquer noção de um processo orçamentário ordenado, poderia agravar muito a situação fiscal dos Estados Unidos, destruindo nossa credibilidade e, portanto, elevando nossos custos de empréstimos.

De fato, algumas reportagens sugerem que autoridades do governo Biden esperavam que esses grupos pressionassem os republicanos para evitar a politização da dívida. Mas a resposta real dos ranzinzas da dívida foi instar o governo a ceder à chantagem.

Talvez o comportamento mais chocante tenha vindo do Comitê para um Orçamento Federal Responsável (CRFB na sigla em inglês), organização que costuma merecer algum respeito, mesmo daqueles que discordam de suas prioridades, por sua competência técnica.

Dada essa reputação, a resposta do comitê ao impasse da dívida foi simplesmente surpreendente. Ele não apenas instou Biden a negociar com os sequestradores, como também declarou que "a Câmara aprovou um projeto de lei razoável" para reduzir o déficit.

O comitê, que conhece seus números, deve saber mais que isso. Não, a Câmara não aprovou um plano "razoável" de redução do déficit; ela nem sequer aprovou um plano, apenas rabiscou alguns números sem nenhuma explicação sobre como alcançá-los.

A maior parte da alegada redução da dívida vem da imposição de um limite de dez anos para gastos discricionários; até 2033, isso significaria cortar os gastos 24% abaixo das projeções atuais. Quais programas seriam cortados? Se algumas coisas como os benefícios dos veteranos fossem excluídos, os imensos cortes exigidos em outros lugares seriam possíveis? Os republicanos não vão responder.

Outro grande item na proposta republicana é cortar o financiamento do Serviço do Imposto de Renda. O Escritório de Orçamento do Congresso, assim como a maioria dos analistas independentes, diz que isso aumentaria o déficit, dificultando a capacidade do governo de processar sonegadores ricos.

Tem mais, e quase tudo é ruim. Ninguém que saiba alguma coisa sobre o orçamento federal poderia honestamente chamar essa proposta de "razoável".

Então, o que está acontecendo aqui? Existem duas possibilidades, não mutuamente exclusivas.
Uma é a covardia. Organizações como o CRFB construíram sua marca se passando por apartidárias, o que é difícil quando os partidos são tão assimétricos como hoje –quando um Partido Democrata imperfeito, mas são, confronta o partido de Marjorie Taylor Greene. A saída mais fácil é fingir que os republicanos estão sendo razoáveis, mesmo quando claramente não estão.

A outra possibilidade é que a pose de apartidário sempre foi uma fraude. Considere o fato de que em julho de 2019, quando Donald Trump era presidente, mas os democratas controlavam a Câmara, o teto da dívida foi suspenso por dois anos. Você realmente acha que o CRFB teria descrito a posição de Nancy Pelosi como "razoável" se ela tivesse ameaçado causar uma crise financeira a menos que Trump revertesse seu corte de impostos de 2017?

De qualquer forma, um pequeno benefício se superarmos essa confusão –neste momento, meu palpite é que Biden acabará invocando o argumento de que o teto da dívida é inconstitucional, mas quem sabe?– pode ser desacreditar os ranzinzas da dívida que nunca mereceram sua antiga influência política.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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