Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Enquanto a inflação cai, a negação da desinflação aumenta

Boas notícias estão deixando algumas pessoas extremamente irritadas

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The New York Times

Algo engraçado aconteceu comigo na internet outro dia. Como muitos economistas, tenho analisado várias medidas de inflação subjacente (ou núcleo da inflação) para tentar enxergar através da névoa econômica, e pensei que deveria postar uma atualização sobre uma medida que enfatizei no passado: preços ao consumidor excluindo alimentos, energia, carros usados e habitação.

Para minha surpresa, meu post técnico e seco no X, ex-Twitter, atraiu um grande número de comentários, na maior parte hostis.

Também houve comentários indignados em outras redes sociais e alguns emails irritados. A essência da maioria desses protestos era que eu estava tentando esconder os problemas enfrentados pelos americanos usando uma medida que excluía grande parte ou a maioria das preocupações reais das pessoas.

É, se você nunca quiser irritar alguém, não entre no debate público. Mas este foi um momento revelador. A inflação, por quase qualquer medida, tem diminuído de forma surpreendentemente rápida e indolor. Mas muitas pessoas não estão aceitando isso; a negação da desinflação está aumentando.

Antes de abordar isso, alguns fatos.

Primeiro, muitos desses comentaristas hostis parecem estar sob a impressão de que os economistas estão usando índices especiais de preços ao consumidor que omitem muitas coisas para avaliar o padrão de vida dos americanos. Mas ninguém faz isso.

Quando os economistas dizem, por exemplo, que o poder de compra dos salários da maioria dos trabalhadores é maior do que antes da pandemia, eles estão medindo os preços usando a cesta de consumo completa.

Segundo, muitas das pessoas que estão opinando parecem acreditar que apenas medidas sofisticadas dos economistas mostram uma inflação em queda. Na verdade, o índice inflação padrão também despencou.

Mas o que também é verdade é que a inflação básica, mais conhecida como inflação "headline", está em 3%, enquanto a inflação "supercore" [taxa que exclui carros usados, habitação, alimentação e energia] está em apenas 2%. Por que a diferença?

Tudo —na verdade, mais do que tudo— tem a ver com habitação. Excluir alimentos, energia e carros usados do índice na verdade aumenta o valor da inflação. Se eu estivesse envolvido em um plano nefasto para minimizar a inflação medida, eu os incluiria.

O que nos leva às razões pelas quais olhamos para medidas de inflação que deixam algumas coisas de fora.

Por que, afinal, olhamos para medidas de inflação? Uma resposta é que queremos avaliar o poder de compra e o padrão de vida —e, para isso, o nível geral de preços ao consumidor é apropriado. Mas também queremos números para orientar a política econômica, especialmente a política monetária.

E há muito tempo sabemos que a inflação "headline" é um mau guia para as políticas, porque pode se mover erraticamente com base em fatores claramente temporários. Lá em 2010-11, por exemplo, a inflação "headline" subiu brevemente para quase 4%, levando algumas pessoas da direita a acusar o Fed de "desvalorizar o dólar" e exigir que a política monetária fosse apertada.

Mas o Fed sabia que essa inflação era um pico temporário impulsionado principalmente pelos preços do petróleo, e resistiu à pressão.

Supermercado em Los Angeles, nos Estados Unidos
Supermercado em Los Angeles, nos Estados Unidos - Mario Tama - 12.set.2023/Getty Images via AFP

A maneira tradicional de extrair o sinal do ruído é olhar para a inflação "core", que exclui somente os preços de alimentos e energia. Não excluímos esses preços porque achamos que eles não importam, mas porque eles flutuam de maneiras que podem levar a erros de política.

No período pós-pandemia, no entanto, a inflação "core" tradicional tem se mostrado insuficiente como uma medida útil, porque tem sido influenciada por alguns fatores grandes, mas temporários. Carros usados não são uma grande parte dos gastos do consumidor, mas seus preços têm flutuado tanto ultimamente que você realmente quer ignorar seus efeitos na inflação.

E habitação é um problema especial. O Bureau of Labor Statistics mede o preço de moradia olhando para os aluguéis —os aluguéis reais que as pessoas pagam se forem inquilinos e uma estimativa do que elas estariam pagando como inquilinos se fossem proprietários de suas próprias casas. Mas a maioria dos inquilinos tem contratos de aluguel de longo prazo, então o aluguel médio que as pessoas estão pagando pode ficar muito atrás do que os novos inquilinos pagam, o que é um indicador melhor para a política.

No passado, isso não era um grande problema. Mas houve um grande aumento nos aluguéis em 2021-22, provavelmente impulsionado pelo aumento do home office. Estimativas das taxas de aluguel de novos inquilinos mostram que esse aumento já passou, e os aluguéis podem até estar caindo, mas os números oficiais ainda mostram que os aluguéis estão subindo rapidamente. Portanto, faz sentido também excluir a habitação da medida de inflação "core".

Agora, o que resta após essas exclusões é uma medida perfeita da inflação subjacente? Claro que não. E um problema ao excluir componentes significativos da inflação é que o que resta pode ser impulsionado por preços que sabemos que são medidos de forma inadequada, como os custos com plano de saúde.

Mas também há problemas ao escolher índices; se você continuar procurando por melhores medidas de inflação subjacente, sempre haverá a tentação de escolher as medidas que dizem o que você quer ouvir. Na verdade, uma das razões pelas quais eu fiz questão de postar sobre essa medida é que eu já a utilizei antes, então eu queria manter a consistência.

Felizmente, neste momento, a maioria das medidas de inflação subjacente está contando a mesma história: estamos bem abaixo, provavelmente abaixo de 3%, embora talvez não cheguemos ao (questionável) objetivo do Fed de 2%. Na medida em que houve uma batalha entre os índices, uma disputa sobre qual medida de inflação subjacente era a melhor, ela está praticamente encerrada —e, portanto, a luta contra a inflação em si também.

Mas se você disser que encontra, como eu encontrei, uma enxurrada de raiva. Por quê?

Grande parte disso é por motivos políticos. Muitas pessoas da direita simplesmente pressupõem que qualquer pessoa que diga que algo bom está acontecendo durante o mandato de Joe Biden deve ser um mentiroso. E algumas pessoas da esquerda também se opõem à ideia de que a inflação está caindo, porque isso parece minimizar o sofrimento das famílias trabalhadoras.

Mas nem tudo é político. A questão do que está acontecendo com a inflação é, ou deveria ser, uma questão puramente técnica.

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