Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O estilo paranoico de alguns plutocratas americanos

Há fãs de criptomoedas e fanáticos antivacina entre bilionários dos EUA

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The New York Times

O eminente especialista em vacinas e alvo frequente de assédio de antivacinistas Dr. Peter Hotez recentemente expressou perplexidade em um post no X (ex-Twitter). Observou que muitas pessoas que escarnecem dele também "são grandes fãs dos bitcoins ou criptomoedas", declarando: "Não consigo ligar os pontinhos em relação a isso".

OK, eu posso ajudar com isso. E mais: seja bem-vindo a meu mundo.

Se você acompanha regularmente as discussões sobre políticas públicas, especialmente as que envolvem "bros" milionários tec, verá que é óbvio que existe uma correlação forte entre os três "Cs": negacionismo climático, negacionismo das vacinas anti-Covid e culto da criptomoeda.

Foto de aplicativo de encontros para pessoas não vacinadas contra Covid, desenvolvido nos Estados Unidos
Foto de aplicativo de encontros para pessoas não vacinadas contra Covid, desenvolvido nos Estados Unidos - Stefani Reynolds/AFP

Já escrevi sobre algumas dessas coisas antes, no contexto do entusiasmo do Vale do Silício por Robert F. Kennedy Jr. Mas, à luz da perplexidade sentida por Hotez –e também da ascensão de Vivek Rawasmamy, outra figura que tem ideias bizarras, que não vai receber a indicação presidencial republicana mas pode concebivelmente tornar-se o companheiro de chapa de Donald Trump—, quero dizer mais sobre o que essas várias formas de pensamento bizarro têm em comum e por que exercem uma atração sobre tantos homens ricos.

A ligação entre negacionismo climático e antivacinismo é clara. Nos dois casos você tem um consenso científico baseado em modelos e análises estatísticas. Mas as evidências que fundamentam esse consenso não ficam à vista das pessoas todos os dias. Vocês estão dizendo que o planeta está esquentando? Ahá! Hoje cedo nevou! Estão dizendo que as vacinas protegem contra a Covid? Pois eu conheço gente não vacinada que está muito bem e já ouvi histórias (enganosas) sobre pessoas que sofreram parada cardíaca depois de receberem a vacina.

Em outras palavras, para valorizar o consenso científico é preciso sentir algum respeito pelo empreendimento todo da pesquisa científica e entender como cientistas chegam às suas conclusões. Isso não significa que os especialistas tenham razão sempre nem que jamais mudem de ideia. Eles não têm razão sempre e mudam de ideia, sim. Por exemplo, no início da pandemia de Covid, os líderes do setor de saúde eram contra o uso generalizado de máscaras, mas mudaram de posição quando confrontados com evidências sérias. É isso o que fazem cientistas sérios.

Podemos entender que o cidadão comum talvez não entenda como funcionam as pesquisas científicas. Mas imaginaríamos que empresários, especialmente os que ganharam dinheiro com tecnologia, apreciassem o valor das pesquisas e do conhecimento técnico especializado. E muitos de fato o apreciam.

Contudo, há forças que operam na direção contrária. O sucesso facilmente alimenta a ideia de que você é mais esperto que qualquer outra pessoa; logo, que você pode dominar qualquer assunto sem precisar se esforçar muito para compreender as questões envolvidas ou consultar pessoas que compreendem. Esse tipo de arrogância pode estar especialmente presente entre tipos tec que enriqueceram desafiando as ideias prevalecentes. Outra coisa: os ricos tendem a cercar-se de pessoas que ficam lhes dizendo o quanto são geniais ou de outros ricos que se unem a eles na afirmação mútua de sua superioridade aos meros funcionários tec burocráticos –o que o escritor de tecnologia Anil Dash descreve como "V.C. QAnon".

O que a criptomoeda tem a ver com isso? Subjacente a todo o fenômeno cripto está a crença de alguns tipos tec de que eles são capazes de inventar um sistema monetário melhor do que o que temos hoje, sem consultar especialistas monetários ou aprender qualquer coisa sobre a história monetária. De fato, existe uma crença ampla de que o sistema que existe há gerações de dinheiro fiduciário emitido por governos é um esquema de pirâmide que vai desabar em hiperinflação qualquer dia destes. Veio daí, por exemplo, a declaração de Jack Dorsey em 2021 de que "a hiperinflação vai mudar tudo. Já está acontecendo."

Bem, reconheço sem problemas que a economia monetária não é uma ciência tão sólida quanto a epidemiologia ou a climatologia. E, sim, mesmo economistas não excêntricos divergem sobre algumas questões importantes muito mais do que divergem seus colegas da ciência dura.

Mesmo assim, a economia é, como escreveu John Maynard Keynes, "um tema técnico e difícil" –sobre o qual você não deveria fazer pronunciamentos sem estudar sua teoria e história bastante a fundo--, apesar de que "ninguém vai acreditar nisso". Com certeza, pessoas que pensam que entendem mais de clima que os climatologistas e mais de vacinas que os epidemiologistas também, provavelmente, vão pensar que entendem mais de dinheiro que os economistas e também tenderão a pensar, em cada caso, que os especialistas que lhes dizem que o mundo não funciona do que jeito que eles pensam que funciona estão praticando algum tipo de fraude ou conspiração.

De fato, boa parte da turbulência recente na indústria cripto levou economistas a se perguntar: essas pessoas não pesquisaram a teoria e história das corridas aos bancos? E a resposta, é claro, é que elas não acharam que isso fosse necessário.

É verdade que sempre houve excêntricos muito ricos. Será que isso se agravou?

Penso que sim. Graças ao boom da tecnologia, é provável que hoje existam mais excêntricos muito ricos do que havia no passado, e eles são mais ricos que nunca. Além disso, dispõem de uma plateia mais receptiva, na forma de um Partido Republicano cuja confiança na comunidade científica desabou desde meados dos anos 2000.

Assim, respondendo a Hotez, os pontinhos estão ligados, sim. A agitação antivacinista e o entusiasmo pela criptomoeda são ambos aspectos de uma ascensão mais ampla dos que não sabem de nada, uma ascensão cuja força maior está em uma comunidade intelectualmente endocruzada de homens muito ricos.

Tradução de Clara Allain

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