Pedro Hallal

É epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Falta muito?

Jogue a primeira pedra a mão o pai ou mãe que, viajando de carro com os filhos, nunca ouviu essa pergunta

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Passei toda a minha infância em Pelotas, no Rio Grande do Sul, cidade onde moro até hoje. No entanto, bastava chegarem as férias de verão que começavam os planejamentos para a tão desejada viagem para Itapema, em Santa Catarina.

Religiosamente uma vez por ano, quase sempre em fevereiro, lá estava a minha família, enfrentando, de carro, a longa viagem (a BR-101 não era duplicada na época) que separa Pelotas de Itapema.

Sou o irmão no meio de duas irmãs, uma mais velha e outra mais moça. Todos somos ansiosos, mas eu sempre fui o mais ansioso dos três. Portanto, antes mesmo de chegar a Porto Alegre, eu já disparava para o meu pai e minha mãe: "Falta muito?"

Visitantes voltaram a frequentar o parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, após restrições da Covid-19
Visitantes voltaram a frequentar o parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, após restrições da Covid-19 - Jardiel Carvalho/Folhapress

Meu pai e minha mãe normalmente respondiam com paciência, dizendo que já tínhamos andado bastante, mas que ainda faltava um bocado. De vez em quando, lá pela divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, uma das minhas irmãs fazia a mesma pergunta. E recebia a mesma resposta.

Mas quando chegávamos no inevitável engarrafamento perto de Laguna, os três irmãos sempre repetiam a pergunta. E o pai e a mãe agora respondiam: "Estamos quase chegando."

Jogue a primeira pedra a mão o pai ou mãe que, viajando de carro com os filhos, nunca ouviu essa pergunta.

Com a Covid-19 não tem sido diferente.

Desde as primeiras semanas da pandemia, ouço essa pergunta com muita regularidade. Mas normalmente ela não vem apenas das crianças, mas especialmente dos adultos e dos idosos. É natural: todos estamos ansiosos para que a pandemia vá embora de uma vez por todas das nossas vidas.

Alguns "especialistas", lá no começo da pandemia, diziam que a pandemia acabaria em poucas semanas. Aliás, os mesmos "especialistas" diziam que, no total, o Brasil teria umas 800 mortes por Covid-19. E o mais impressionante é que os tais "especialistas" nunca vieram a público admitir o erro. Ao contrário, sempre que entrevistados, eles repetem a mesma resposta: "Faltam poucas semanas para a pandemia acabar."

Um tempo atrás, escrevi uma coluna prevendo que o final da pandemia no Brasil seria próximo da virada do ano. Na época, o texto causou muitas reações. A maioria das pessoas bastante felizes de ouvirem uma palavra esperançosa vinda de um epidemiologista. No entanto, outras pessoas, inclusive colegas, acharam que a previsão era demasiadamente otimista.

Em seguida, veio a chegada da variante delta no Brasil, e começou um cabo de guerra entre a variante e a campanha de vacinação. Alguns especialistas, com base na realidade internacional, previram que a delta iria bombar no Brasil, o que felizmente não ocorreu. Hoje, já dá para dizer que a vacinação conseguiu, pelo menos, segurar a variante no cabo de guerra.

O gráfico que acompanha esse texto mostra a média móvel de óbitos (por 1 milhão de pessoas) por Covid-19 no Brasil desde o início da pandemia. Não há como olhar para esse gráfico sem algum otimismo. A queda vem sendo sustentada por várias semanas, mesmo com a ampla circulação da variante delta no país. Com isso, é hora de revisitar a pergunta: "Falta muito?"

Minha visão é de que o pior já passou. Com mais de 70% da população vacinada com pelo menos uma dose, não consigo imaginar um cenário em que voltaremos aos números assustadores (2.000 mortes por dia) observados no começo de 2021.

Ao contrário, é bastante provável que os números jamais aumentem nem sequer para perto de 1.000 mortes por dia, o que foi observado por um longo tempo no segundo semestre de 2020. O mais provável é que sequer voltemos a uma média de 500 mortes por dia daqui para a frente.

Nenhuma previsão é 100% garantida, mas 2022 tem tudo para ser muito melhor do que 2021, tanto na pandemia quanto na política. "Falta muito?"

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