Pedro Hallal

É epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Pedro Hallal

Voo às cegas

Por mais desesperador que pareça, essa é a situação da saúde no Brasil em meio a maior pandemia de nossas gerações

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na coluna de hoje, pedirei aos leitores que tenham um pouco de imaginação.

Por um momento, imagine-se um piloto de avião.

Você não é a primeira opção da companhia aérea, mas foi chamado de urgência. Dois pilotos anteriores, com boa experiência, eram bons demais para os padrões da empresa e, portanto, foram demitidos. Um terceiro piloto foi chamado apenas porque era bem obediente, além de amigo dos amigos do dono da empresa. Obviamente que fracassou.

Imagem mostra uma cruz feita de flores em um túmulo
Cemitério da Vila Alpina no dia em que o país atingiu 400 mil mortos por Covid - Mathilde Missioneiro- 27.abr.2021/Folhapress

Você então foi chamado para pilotar. Aliás, não apenas pilotar: pilotar em meio a uma tempestade.

Sua falta de experiência pode ser um problema, mas você está confiante. Isso porque logo antes de você assumir o voo, a agência que controla as companhias aéreas obrigou sua empresa a comprar equipamentos de última geração, mesmo contra à vontade do seu chefe.

Você assume o voo e começa relativamente bem. Tenta fazer as coisas conforme os manuais, mesmo sofrendo pressões do dono da empresa para negar os protocolos.

Sua postura começa a gerar alguma turbulência. Você não suporta desagradar o seu chefe, por medo de perder o emprego.

No meio do caminho, você está tão preocupado em agradar o seu chefe que já esqueceu da segurança dos seus passageiros.

E, além disso, deixou de cuidar do equipamento de última geração recém adquirido pela empresa.

Para piorar as coisas, o equipamento sofre um apagão, provavelmente causado por aqueles que boicotam o equipamento.

Agora você precisa voar às cegas. Sem equipamentos, sem segurança para os passageiros e ainda fazendo de tudo para agradar o seu chefe.

Por mais desesperador que pareça, essa é a situação da saúde no Brasil em meio a maior pandemia de nossas gerações. Estamos voando às cegas há mais de uma semana, porque aqueles que deveriam se preocupar com as informações da população estão gastando o seu tempo para falar besteira para agradar aos negacionistas e seus líderes.

O Ministério da Saúde assiste de camarote aos técnicos da Anvisa serem ameaçados por fanáticos depois do recado dado pelo líder do negacionismo. O Ministério da Saúde, que deveria proteger os técnicos que tentam salvar vidas, coloca-se ao lado do vírus, contra a população brasileira.

É muito difícil saber onde isso vai parar. Alguns se apegam ao fato de que temos eleições em 2022. Mas a saúde pública não pode esperar: com a chegada da variante ômicron é ainda mais importante que o Brasil deixe de adotar uma postura negacionista e enfrente adequadamente à pandemia. Chega de molecagem. Chega de moleques brincando de pilotar aviões em meio a tempestades.

O Brasil precisa urgentemente entender que o enfrentamento da pandemia de Covid-19 é mais importante do que a politicagem. Muitos países estão enfrentando novos surtos. Pelo sucesso da vacinação, o Brasil está tendo um tempo maior para se preparar: mas para isso, é preciso trabalhar sério, seguindo à ciência, e não o negacionismo.

Quantos brasileiros e brasileiras mais precisarão morrer para que a população diga BASTA?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.