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O grande empurrão para sustentabilidade

Transição para uma economia sustentável deve alinhar desenvolvimento e preservação ambiental

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Terminamos o último texto de economia ambiental para a coluna do Por Quê com duas provocações: qual vai ser o papel do Brasil na crise climática? O país abriria os caminhos necessários para o chamado "empurrão" (ou "big push", em inglês) para a sustentabilidade?

A ideia de um empurrão para sustentabilidade consistiria em começarmos a fazer um esforço consciente para alinhar desenvolvimento e preservação ambiental, como elemento chave para ter ganhos econômicos.

Vista aérea de pista ilegal usada em território Yanomami, na floresta amazônica, em Roraima - Bruno Kelly - 14.abr.2016/Reuters

É um conceito sendo cunhado por economistas da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), e baseia-se na interpretação dos grandes investimentos necessários para a transição para um modelo econômico resiliente, de baixo carbono e sustentável como uma oportunidade de gerar um grande empurrão (ou impulso) para um novo ciclo de crescimento econômico e maior igualdade, contribuindo assim para construção de um desenvolvimento mais sustentável (e que alinhe economia, sociedade e meio ambiente).

O que isso significa na prática?

A economia do Brasil já é significativamente "verde". De acordo com estudos de economistas da Universidade de São Paulo, em 2020 o Brasil contava com mais de 6,5 milhões de empregos vinculados a setores econômicos considerados verdes, como água, esgoto e gestão de resíduos, silvicultura e outros. Isso representaria mais de 6% do total de empregos no Brasil, uma porcentagem até que alta se comparada com outros países.

No entanto, especialistas predizem que os ganhos econômicos de investir mais ainda nesses setores seriam muitos.

Em primeiro lugar, isso permitiria ao Brasil alcançar a crescente demanda dos setores produtivos globais por serviços e produtos ecologicamente corretos, e também se inserir de forma pioneira em novos mercados, como o mercado de créditos de carbono.

Porém, para além disso, a análise de dados sugere que a geração de empregos do lado verde é maior do que do lado não verde, quando comparam-se choques nos dois lados (isto é, a variação positiva na demanda final em cada uma dessas áreas). O setor verde parece então ter as melhores condições para impulsionar a economia brasileira, um objetivo que é ainda mais relevante tendo em conta a crise atual.

Em palavras mais simples, isso ocorre porque quando esse setor sofre um aumento em sua demanda final, ele "empurra" o desenvolvimento de vários outros setores, ou, em economês, parece ter um "efeito multiplicador" maior.

Efeito multiplicador é um fator que mensura quanto uma variável endógena (no caso demanda, ou PIB) muda em resposta a uma variação de algumas variáveis exógenas (neste modelo, emprego). Se essa variável endógena responde mais (varia mais) ao choque das variáveis exógenas em um setor em comparação com outro, dizemos que o efeito multiplicador nesse primeiro setor é maior.

Algumas previsões sugerem que uma recuperação verde da economia permitiria ainda que a economia do Brasil crescesse mais na próxima década do que o normal (isto é, caso os investimentos continuassem em setores não verdes). Os benefícios podem incluir um aumento líquido de mais de 2 milhões de empregos até 2030 –quatro vezes mais empregos do que os já existentes na indústria de petróleo e gás do Brasil.

Esses empregos resultariam do investimento em infraestrutura de qualidade, tecnologias de baixo carbono e da transição para uma agricultura de baixo carbono. Ou seja, uma recuperação verde como resposta à crise financeira atual poderia resultar em uma economia mais forte domesticamente e em uma vantagem competitiva no exterior.

Quando falamos especificamente em agricultura de baixo carbono, um exemplo é a promoção de empregos verdes como estratégia para prevenção do desmatamento na Amazônia. Oferecer às comunidades da floresta tropical uma maneira de ganhar a vida que não envolva a pecuária e a soja, a extração de madeira ou qualquer outra indústria ligada ao desmatamento pode ser muito útil.

Faz bastante sentido que quem preserve a floresta em pé seja remunerado por isso, e isso poderia trazer benefícios não só a comunidades locais mas também para a economia –através desse efeito multiplicador. Com incentivos diretos à produção sustentável e à integração dos bioprodutos da Amazônia nas cadeias globais, a floresta em pé poderiam também começar a valer muito mais do que a floresta desmatada. Hoje os incentivos vão em um sentido contrário.

Atualmente, o mercado não paga tanto pelo que a floresta produz naturalmente –borracha nativa, cacau, nozes, ervas medicinais– em comparação com carne bovina, soja e madeira. Repensar esses incentivos poderia trazer ganhos econômicos nítidos para o Brasil, alinhando desenvolvimento e preservação ambiental e dando um exemplo de um grande empurrão para o desenvolvimento sustentável.


Os dados apresentados nesta coluna provêm de dois estudos recentes:

Brasil tem mais de 6,5 milhões de empregos verdes, revela dissertação de bolsista da Cátedra Escolhas. Disponível em: https://www.escolhas.org/brasil-tem-mais-de-65-milhoes-de-empregos-verdes-revela-dissertacao-de-bolsista-da-catedra-escolhas/. A dissertação de mestrado "Empregos verdes no Brasil: uma análise via matriz insumo-produto" pode ser acessada em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11132/tde-15072020-172914/pt-br.php.

Brazil’s Post-Covid Green Economic Recovery. Estudo técnico da NEB, disponível em: https://www.valuewalk.com/2020/08/brazil-green-economic-recovery/. Também disponível de forma resumida em: https://wribrasil.org.br/pt/publicacoes/new-economy-brazil-efficient-resilient-build-back-better.

Luiza Martins Karpavicius

Economista formada pela FEA-USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca

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