Por quê?

Especialistas da plataforma Por Quê?, iniciativa da BEĨ Editora, traduzem o economês do nosso dia a dia, mostrando que a economia pode ser simples e divertida.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Por quê?
Descrição de chapéu tecnologia

Proteção a qualquer custo?

Forçar idosos a irem a uma agência ratificar suas operações financeiras não é uma política inteligente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mauro Rodrigues

Professor de economia na USP e autor do livro "Sob a Lupa do Economista"

Desde que o mundo é mundo, um subgrupo de indivíduos trabalha para fraudar o resto da sociedade com esquemas corruptos. Um pouco menos frequentemente em grupos sociais pequenos; um pouco menos também em países que foram se tornando mais desenvolvidos do ponto de vista institucional.

A fraude é um roubo a mão desarmada, e reduz o bem-estar de todos os outros indivíduos (os fraudados e os que lutam para escapar das artimanhas). Roubos, armados ou não, retardam o progresso socioeconômico, dado que confiança e capital social são importantes ingredientes da sopa do desenvolvimento sustentado.

Contra as fraudes, que vêm num número incontável de matizes, desenhamos, como sociedade, contramedidas e estratégias para antecipar o próximo passo dos sabotadores. Novamente, tudo isso desde o princípio dos tempos (ou quase), embora seja inegável que a era da internet e da comunicação rápida tenha acentuado o drama.

Ilustração de um notebook aberto. Em sua tela, há uma fechadura com uma chave.
Ilustração - Catarina Pignato

Quem nunca caiu num golpe que atire a primeira pedra! É necessária uma atenção sobre-humana para não clicar num email ou mensagem fraudulenta. Porém, e isso é importante, não é porque recebemos emails piratas todas as semanas que o regulador deve propor limitar nosso uso de tal tecnologia.

Desenvolvem-se filtros, campanhas de informação, times especializados em ir atrás dos bandidos etc. Mesmo com tudo isso, no entanto, algumas pessoas ainda serão vítimas de emails maliciosos ou ligações telefônicas clandestinas, entre outros tipos de golpe. E alguns deles serão, infelizmente, bem-sucedidos.

Esse introito é o pano de fundo para uma discussão sobre os projetos de lei que andam circulando por aí e que propõem (ou já impõem, como no Amapá e na Paraíba) a necessidade de assinaturas físicas para idosos que queiram contratar crédito em instituições financeiras.

O objetivo é nobre (e o inferno, cheio daquelas boas intenções): reduzir as fraudes que acometem esse grupo, em tese mais vulnerável a esse tipo de golpe. Em tese.

Sim, estamos de acordo com a proposição geral de que pessoas de mais idade navegam nas redes com maior dificuldade que as mais jovens. Mas, e aqui vai nosso primeiro comentário crítico à proposta, não decorre daí que elas sejam também mais propensas a cair em ciladas.

O motivo é simples: justamente por se sentirem menos confortáveis no ambiente virtual, é de se esperar que os mais idosos também apresentem comportamento mais defensivo, maior receio de cair vítimas de falcatruas. No jargão, são mais avessos ao risco que o cidadão médio.

Esse fator contrabalança o primeiro –o não saber distinguir entre um emissor salafrário e o funcionário honesto do banco. Nossas mães, em geral, são muito mais cuidadosas do que nós ao usar o netbanking.

Obrigar um idoso a se deslocar até uma agência física pode ser bastante problemático. E mesmo que haja uma agência perto de sua residência, uma ida ao banco não é um bate e volta: com mais idosos na agência, provavelmente haverá filas de espera maiores. E o idoso que porventura tenha conta num banco sem agências físicas, ou com poucas?

O deslocamento físico obrigatório deve empurrar um grupo de pessoas para outras modalidades de crédito mais caras, mas que não demandam idas à agência (como cartão de crédito). Ou simplesmente reduzirá seu acesso ao crédito.

O benefício da bancarização digital para esse grupo de pessoas foi enorme. Desdigitalizá-las será um movimento altamente custoso.

Ainda que haja um benefício de segurança em exigir a assinatura presencial, não é claro que este seja da mesma ordem de magnitude que a dor de cabeça e a perda de conforto que a medida geraria. Aliás, se boa parte dos golpes aos idosos é aplicada por alguém próximo ou até mesmo por um familiar, a medida não resolve nada, pois não vai à origem do problema (que é bastante difícil de ser eliminado!).

Por fim, antes de agir é preciso ter um diagnóstico do problema baseado em dados. Em primeiro lugar, e sem negar que a questão é séria, não é verdadeiro afirmar que as fraudes têm crescido ao longo dos anos. O número de tentativas de fraudes reportado pelo Serasa para o ano de 2019 é virtualmente idêntico ao de 2022: por volta de 3,9 milhões (e no meio do caminho tivemos uma pandemia que incrementou muito a digitalização).

Ainda segundo o Serasa, a população entre 36 e 50 anos sofreu 1,4 milhão de tentativas de fraudes em 2022. Em segundo lugar, estão os consumidores de 26 a 35 anos, com quase 1,1 milhão de tentativas. Pessoas entre 51 a 60 anos relataram 545 mil tentativas; até 25 anos, 442 mil tentativas e, por fim, acima de 60 anos, 424 mil reclamações sobre tentativas de fraude.

Esses números, no entanto, não são diretamente comparáveis, dado que o número de pessoas em cada uma dessas faixas etárias é diferente. Usando os dados populacionais por faixa etária para o ano de 2021, os percentuais (esses sim comparáveis) de tentativas de fraude por faixa etária da população são os seguintes:

Abaixo de 25 anos Entre 26 e 35 anos Entre 36 e 50 anos Entre 50 e 60 anos Acima de 60 anos
2,6% 3,1% 2,9% 2,2% 1,3%

Os dados, portanto, indicam que os idosos são os menos atingidos por fraudes.

Concluindo: sim, é necessário desenvolver mecanismos de combate à fraude, pois ainda que esta não tenha crescido, os números são mesmo elevados. Mas forçar idosos a irem a uma agência ratificar suas operações financeiras não é uma política inteligente. Até porque os dados revelam que eles são os menos suscetíveis a cair em falcatruas.

A coluna foi escrita em conjunto com a equipe do Por Quê?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.