Jesualdo Ferreira é um senhor. Um gentleman, como se diz no país do futebol do século 21. Foi o primeiro homem a perceber que seu país, Portugal, tinha 60% dos treinadores campeões nacionais vindos de outros lugares e era necessário fazer algo a respeito.
"Existem treinadores que trazem experiência do campo para o treino e outros do estudo para o treino", explica.
Ele, próprio, não foi jogador profissional. Igual ao italiano Arrigo Sacchi, criador da célebre frase: "Não é preciso ter sido cavalo para ser jóquei".
Sacchi foi bicampeão da Champions League como técnico do mais fabuloso Milan da história, e Jesualdo Ferreira ganhou o Campeonato Português três vezes, inaugurando a era de 15 temporadas sem estrangeiros vencedores em Portugal.
O próprio Jesualdo liderou um grupo de jovens estudiosos frequentadores do Instituto Nacional de Educação Física.
"São 40 anos de trabalho", diz o pai da geração de técnicos educados em Portugal e espalhados pelo planeta.
Jesualdo é um dos 12 exemplos de que não basta ser estrangeiro para dar certo no Brasil.
Depois do sucesso de Jorge Jesus, passaram e se foram da Série A sem deixar vestígio: Miguel Angel Ramírez, Eduardo Coudet, Diego Aguirre, Antonio Oliveira, Hernán Crespo, Ariel Holan, Sá Pinto, Ramón Díaz, Diego Dabove, Domenec Torrent, Jorge Sampaoli e Jesualdo. Ainda há Morínigo e Gustavo Florentin, resistentes ao rebaixamento para a Série B.
Por que o Brasil despreza o trabalho e demite, indistintamente, cariocas, espanhóis, paulistas, portugueses, argentinos, paranaenses e uruguaios?
Jesualdo é um senhor, um gentleman. Pede desculpas por dar a resposta que só existe porque exigida pelo colunista: "A mim parece que as estruturas do futebol brasileiro estão acomodadas".
Veja que ele fala das estruturas, não dos treinadores. "Não tenho condição de dizer que falta teoria aos técnicos brasileiros. Não conheci tantos assim."
Sobre as estruturas, é definitivo. Refere-se a jogadores, treinadores, imprensa e dirigentes. Exemplifica: "Trabalho com brasileiros há 40 anos. Ouvia dizer que os jogadores não eram sérios. Mentira! São sérios. Nas estruturas acomodadas, quando percebem que as coisas não vão bem, sabem que o treinador vai sair em seis ou sete jogos. E passam a saber que assim é que as coisas são".
Prossegue: "A imprensa vive dessas notícias".
Antes que nosso corporativismo bata em Jesualdo, ele não critica a imprensa, mas as estruturas. Analisa o que vê de fora e viveu por dentro. Foi demitido do Santos depois de 15 jogos, quando liderava seu grupo na Libertadores.
A gentileza de Jesualdo Ferreira se espalhou por 47 minutos de ligação internacional. O telefonema tinha uma pergunta. Falta aos técnicos brasileiros cultura, a ponto de procuramos só os estrangeiros neste momento?
Sua resposta é mais profunda: "As estruturas do futebol brasileiro estão acomodadas".
Isso inclui a mim, que escrevo, e você, que lê.
Ninguém comparará Jesualdo a Guardiola, Klopp ou Thomas Tuchel. Mas até o alemão do Liverpool já disse: "O que os brasileiros estão fazendo é muito errado. Não dá para ter um desempenho maravilhoso assim".
Paulo Sousa é excelente, pela cultura do jogo que nos agregará, como Abel Ferreira mostra em cada entrevista coletiva.
A receita não é contratar conhecimento para desprezá-lo três meses depois. Passou da hora de entender e respeitar as etapas do trabalho. Como o Liverpool faz com Jürgen Klopp e o Bragantino, com Maurício Barbieri.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.