Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade

Livro desnuda pecados de Flordelis: sexo com 'filhos', ocultismo e crime

Ulisses Campbell narra a trajetória da pastora, ex-deputada e mãe adotiva de mais de 50 crianças e adolescentes, que cai em desgraça ao mandar matar o marido

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São Paulo

"Flordelis – A Pastora do Diabo" (ed. Matrix, 304 págs., R$ 69) fecha a trilogia sobre mulheres assassinas de autoria do jornalista Ulisses Campbell.

A obra lançada nesta quarta-feira (7) reconstrói a trajetória de sucessos e desgraças da ex-deputada e mãe adotiva de mais de 50 crianças, adolescentes e jovens.

Em novembro, Flordelis dos Santos Souza, 61, foi condenada a 50 anos de prisão pela morte de Anderson do Carmo, seu ex-marido e pastor.

Pena bem mais dura do que aquelas conferidas a duas outras condenadas por crimes de repercussão retratados pelo autor. "Suzane – Assassina e Manipuladores" esmiúça o Caso Richthofen, que rendeu pena de 36 anos de prisão para a filha que orquestrou a morte dos pais.

Já "Elize Matsunaga – A Mulher que Esquartejou o Marido" trata do assassinato do herdeiro da Yoki, que resultou em 16 anos de condenação.

"Chama atenção o fato de as penas de Flordelis e Suzane, mentoras intelectuais que convenceram outros a cometerem os crimes, terem tido bem superiores à de Elize, que colocou a mão na massa e executou o marido", compara Campbell.

O biógrafo ouviu mais de cem pessoas para compor o perfil da pastora, entre elas a mãe de Flordelis, conhecida com a Bruxa de Jacarezinho, que previu que a vida devassa da vida acabaria em desgraça.

A seguir, trechos do livro que revelam episódios inéditos sobre a pastora que tinha compulsão por sexo e flertava com o ocultismo. E também excertos de uma trajetória nada convencional.

Morte brutal do tio feiticeiro

Um bando de jagunços invadiu o terreiro na madrugada e, com tiros, pauladas e dezenas de facadas, matou o pai de santo. Miquelino teve o corpo esquartejado em sete partes.

Antes de chamar a polícia, Carmozina [mãe de Flordelis] fez um ritual de despedida e banhou-se com o sangue do irmão... Guardou consigo as imagens de São Cipriano e Exu Caveira.

Flordelis com a mãe, Carmozina, que ficou conhecida como Bruxa do Jacarezinho, e a filha biológica, Simone, em foto publicada no livro sobre a história da "pastora do diabo" - Divulgação

Herdou a essência dos supostos poderes sobrenaturais do bruxo, mais tarde repassados a Flordelis.

A bruxa do Jacarezinho e a profecia macabra

Chicão [pai de Flordelis] estava no banco de trás, ao lado do filho Fábio... Na altura do município de Piraí (RJ), a 100 quilômetros de casa, a profecia macabra de Carmozina começou a se materializar.

A Kombi perdeu o controle, seguiu desgovernada em zigue-zague e esbarrou na mureta de concreto que divide as duas pistas. Logo atrás, um ônibus da Viação Cometa atingiu a traseira da perua.

Antes que os agentes pudessem interditar o trânsito, surgiu uma carreta com 12 toneladas de lâminas de vidro. A colisão dos três veículos matou sete pessoas por esmagamento.

Trancada em seu quarto, concentrada em orações, Carmozina sentiu um vento gelado nas costas. Quem levou a notícia triste foi o pastor da Assembleia de Deus... Fria, a bruxa pediu para a vizinha chorar apenas por Chicão e voltou a insistir na sobrevivência de Fábio.

Quem viu o caçula, depois de dado como morto, creditou a "ressurreição" a mais um milagre da bruxa do Jacarezinho.

O funeral dos integrantes do Conjunto Angelical ocorreu na tarde do dia 26 de outubro de 1976. O acidente teve destaque no "Jornal Nacional".

O acidente na Dutra com a Kombi do Conjunto Angelical, envolvendo um caminhão e um ônibus, deixou sete mortos, entre eles Chicão, pai de Flordelis, que cantou para uma multidão no funeral - Divulgação

Flor subiu na sepultura e ficou perplexa com o mar de gente. O pastor apresentou a garota de 15 anos como cantora. Foi ovacionada pela primeira vez.

Casamento com pastor

Flordelis olhou o rapaz de 26 anos de cima a baixo, fixou o olhar no volume do seu sexo sob a calça de tecido fino e, num canto reservado da igreja, retribuiu a investida com um singelo beijo em seu rosto.

Saíram do templo de mãos dadas e transaram até o dia seguinte na casa de uma tia dele.

Depois de nove meses de namoro, Flor e o pastor Paulo Xavier se casaram e tiveram três filhos [Simone, Flávio e Adriano].

Com o tempo, os dois começaram a se desentender por causa da falta de interesse do pastor em sexo.

Mãe e filha dividem namorado

Flor passou a flertar com tantos homens no Jacarezinho que ganhou no bairro os apelidos pejorativos de "vassourinha" e "motosserra".

Na adolescência, Simone era uma garota bonita de corpo e de rosto. As transas com Anderson [estagiário do Banco do Brasil] no banheiro ficaram mais frequentes e barulhentas...

Simone confessou à mãe que, a cada dia, seu interesse pelo namorado diminuía... Não demorou para Anderson seguir de mala e cuia para a casa de Flor, tornando-se seu terceiro "filho" adotivo.

Flor seguiu com o ex-namorado de Simone para o banheiro e deu um longo banho no rapaz. Depois de transarem, ele passou a chamar a "mãe" carinhosamente de "amor", mas ela continuou chamando-o de "filho".

Flordelis com Simone, a primogênita fruto do primeiro casamento, com Anderson, o segundo marido 16 anos mais novo, que foi namorado da filha, em imagem que ilustra o livro "Flordelis - A Pastora do Diabo" - Divulgação

No início, Simone estranhou a relação do ex-namorado com a mãe, mas acabou aceitando. Na favela, andavam de mãos dadas e chocavam a comunidade.

Troca de casais

Flor e Anderson saíam para espairecer à noite... Em um desses passeios, conheceram um casal de vendedores em uma loja de calçados que também frequentavam cultos da Assembleia de Deus.

Duas semanas depois, Marilene apresentou Flor ao taxista Samir, também adepto de sexo grupal.

À medida que a amizade entre os casais se estreitava, Flor liberava seu par para ficar com quem ele quisesse, inclusive com os homens.

Numa das atividades grupais, Anderson chamou Flor de "mãe", despertando curiosidade em Theo e Samir.

O "incesto" excitou ainda mais os casais: pediram para Flor também chamá-los de "filhos" durante as transas.

Depois dos cultos das sextas-feiras, costumavam seguir para casas de swing.

Batismo sexual

"Todas as crianças e adolescentes resgatados chegavam a Flordelis imundos e exalando um mau cheiro insuportável. Tinham sujeiras escuras acumuladas atrás da orelha, nas dobras do pescoço, debaixo das unhas e nas axilas, além de lêndeas, piolhos e carrapatos. [...]

Flordelis dava pessoalmente um banho pesado nos novos hóspedes, numa espécie de batismo... Ela também tirava a roupa nesse banho de boas-vindas e acabava transando com os "filhos" que achava interessantes.

Em ritual análogo ao satanismo, Flor e Anderson transavam. Numa dessas sessões, os dois teriam cortado o dedo com um estilete e esfregado sangue na face da imagem de Exu Caveira.

Em seguida, um lambeu o sangue do outro para selar um pacto para subir na vida adotando crianças.

Aparições na TV irritam traficantes

Anderson recebeu a ligação de um produtor do "Fantástico", da TV Globo, e outra de um jornalista da equipe do programa "Jô Soares Onze e Meia", do SBT.

Sandra Sapatão, número dois do Comando Vermelho no Jacarezinho, apontou a arma para a cabeça da missionária: "Não quero mais ouvir essa sua boca imunda dizendo na TV que o tráfico tem algo a ver com seu trabalho sujo de recolher esses pobres diabos da rua, porque a favela inteira sabe a putaria que rola aqui nesse prostíbulo!".

Fuga teatral com os filhos

Para escapar do Juizado de Menores, da polícia e de traficantes do Comando Vermelho, Anderson, com 18 anos, e Flor, com 34, executaram um conjunto de ações ousadas.

Quanto mais ‘filhos’ de rua, melhor para valorizar a nossa causa

Anderson do Carmo

pastor e marido de Flordelis

A batida em retirada começou na madrugada 28 de junho de 1995... O grupo saiu do Jacarezinho a pé, na madrugada. Flordelis e seu séquito chamavam a atenção de populares porque todos andavam de mãos dadas, formando uma grande centopeia humana.

Outros meninos – sem-teto e sem rumo – juntaram-se à família. "Quanto mais ‘filhos’ de rua, melhor para valorizar a nossa causa", justificava Anderson.

Na edição de "O Dia" de 12 de julho de 1995, um alto de página tinha o seguinte título: "Procura-se Flordelis".

Diante de câmeras de televisão, a fugitiva falou para toda a imprensa fluminense: "Sou mãe de todas essas crianças. Por elas, sou capaz de enfrentar a polícia, traficantes, juízes e desembargadores. Nada me detém!".

A Vara da Infância e Juventude havia marcado audiência para dali a três semanas. Nessa época, o titular era o juiz Siro Darlan. Ele concedeu a guarda definitiva a Flor, mesmo com parecer contrário do Ministério Público.

Uma igreja para chamar de sua

Sem chance de emplacar Flordelis na Assembleia de Deus, Anderson resolveu criar uma instituição religiosa para ela. Comprou 60 cadeiras de plástico usadas, a R$ 1,99 cada e arrumou-as lado a lado na garagem.

Depois de uma pesquisa de mercado para descobrir onde seria mais vantajoso erguer uma sede, o ministério ganhou um templo com capacidade para 1.200 pessoas em São Gonçalo, logo após entrevista no programa da Xuxa.

Em 2010, apenas com o dinheiro do dízimo e das doações financeiras, o casal construiu a segunda unidade do Ministério Flordelis. Tinha capacidade para receber 7 mil almas em um único culto.

Relações incestuosas

Anderson e Flordelis não se enfureciam à toa com a evasão de seus "filhos". Eles temiam que a pastora perdesse o título "Mãe de 50", base de sustentação de seus negócios.

A regra de os "filhos" só cometerem "incesto" mediante autorização da matriarca estava mantida, mas era impossível controlar.

Vânia engravidou duas vezes de dois "irmãos" diferentes... A relação sexual entre os "filhos" deixava Flor e Anderson extremamente irritados. Mas não havia problema quando eram os biológicos que transavam com as "irmãs" adotivas.

Eleição e tutela na Câmara

Flordelis filiou-se ao Partido Social Democrático (PSD) e concorreu a deputada federal nas eleições de 2018. Colada ao então candidato a presidente Jair Bolsonaro, Flor tinha a frase "Mãe de 55 filhos" como slogan.

Com 196.959 votos, foi a quinta deputada federal mais votada do Rio. Sem experiência, Flordelis tornou-se um fantoche nas mãos de Anderson.

Nepotistas, contrataram para "trabalhar" no gabinete André Luiz e Carlos Ubiraci. Nomeados para cargos de secretário parlamentar, ganhavam ordenado bruto de R$ 15.698.

Crime e castigo

Ela se reuniu com os filhos biológicos. A princípio, não falou abertamente "vamos matar o pastor". Mas ficava claro, nessas primeiras reuniões familiares, que assassiná-lo seria a única saída.

Depois de várias tentativas fracassadas, Flordelis teria repassado R$ 8.500 a Flávio, para financiar o crime.

O plano, dessa vez, era bem simples. Flordelis teria que tirar Anderson de casa na noite de 16 de junho de 2019. Na volta, ele seria alvejado.

Por volta das 3h30 da madrugada, Anderson, de 42 anos, entrou com o carro na garagem. A mulher desceu rapidamente, para deixá-lo morrer sozinho.

Flávio disparou quatro vezes contra o "pai". Atingido a curta distância na cabeça e no peito, ele morreu na hora. Recebeu mais dois tiros na genitália, sugerindo vingança pela série de abusos sexuais.

Logo após os disparos, a casa comemorou a morte com gritos, abraços e sorrisos.

Anderson foi velado no Ministério Flordelis no dia 17 de junho de 2019. A pastora chorou feito viúva de novela. Falou em latrocínio e disse que o marido morreu para salvar a família.

A polícia, porém, já desconfiava de uma execução, pois não havia sinais de roubo na casa.

O julgamento durou uma semana. "Eu não mandei matar meu marido, meu Deus! Me escute, por favor!", suplicava a pastora. Flordelis foi condenada a meio século de prisão em regime fechado.

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