Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Adesão de economistas do Real a Lula evidencia o que está em jogo

Confronto se dá entre vegetarianos e carnívoros diante da carne humana

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Os economistas Edmar Bacha e Pedro Malan divulgaram uma nota conjunta em apoio a Lula. Juntam-se, assim, a André Lara Resende, Pérsio Arida e Armínio Fraga, que já o haviam feito. Esses nomes estão na origem e na sustentação do Real, o mais ousado, criativo e bem-sucedido plano de estabilização da economia, em tempos democráticos, de que o mundo tem notícia. Arrumar as contas é até fácil caso se ignore o sangue derramado. Paulo Guedes, admirador do "ajuste" pinochetiano, sabe disso. Não fez parte da geração que conseguiu vencer a desordem econômica em tempos de paz.

Os "economistas do Real" evidenciam estar atentos à era do horror e à fome dos canibais diletantes e profissionais. Dão, ainda, uma aula importante a alguns noviços da responsabilidade fiscal como um fundamentalismo, que cobram que Lula apresente um plano detalhado de governo. Fundamentos são importantes, mas sua derivação viciosa, traduzida naquele "ismo", perverte a substância.

 Edmar Bacha, Pedro Malan, Arminio Fraga e Persio Arida.
Edmar Bacha, Pedro Malan, Arminio Fraga e Persio Arida, economistas que declararam apoio a Lula - Zo Guimaraes, Zanone Fraissat e Missioneiro/Folhapress e Guito Moreto/Agência O Globo

O petista, insiste o noviciado, não apresentou um "plano detalhado de governo", como se a desordem econômica e política que Bolsonaro promove apontasse para algum norte que não a reeleição. Os doutores dão relevo, e com acerto, ao compromisso do petista, demonstrado mais por atos do que por palavras, com a responsabilidade fiscal. Mas há mais.

Economia não é conversa de nefelibatas, alheia ao que se passa na terra. O ajuste que essa turma promoveu no país, volta-se ao ponto, tinha um pressuposto: a democracia. É essa ampla escolha civilizatória que os leva à mais restrita, de natureza política. E olhem que poderia haver aí razão para uma "metralhadora cheia de mágoas", como cantou Cazuza.

O PT fustigou o Real impiedosamente e pagou um preço político por isso, que é a única forma de ajuste de contas aceitável no regime democrático: foi derrotado em 1994 e em 1998 no primeiro turno. Exalto, em particular, a temperança de Pedro Malan, que, à frente do Ministério da Fazenda, foi um dos principais alvos do petismo. Ademais, aquele que os reuniu para a grande obra, FHC, também já declarou seu voto no petista. Antes do "plano detalhado", o pressuposto, como quer a etimologia: a democracia.

A turma do Real lembra um tempo —quiçá voltemos a ter divergências que não forcem alianças à beira do abismo— em que, por mais acerbos que fossem, os confrontos ainda tinham eira e beira e se travavam embates em ambientes que eram deste mundo, entre os vivos, deixando em paz a terra dos mortos. Corre-se agora um risco de esgarçamento do tecido democrático que pode nos levar a um ciclo de longa degeneração das instituições.

Em sua primeira reação depois da realização do primeiro turno, Bolsonaro fez mira, mais uma vez, no Supremo. Não é uma obsessão pessoal. É um plano. Data de 26 de maio de 2019 o primeiro ato golpista que promoveu. O governo não havia sofrido ainda derrota nenhuma no tribunal.

Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que um menino preto não seja preso por um PM que lhe diz: "Vai gritar Lula lá na África", depois de lhe dar um golpe nas costas. Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que um governante não se alie ao vírus, contra a vacina, empurrando o povo, como gado, à "imunidade do rebanho".

Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que pobres não morram em camburões transformados em câmaras de gás. Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que um presidente da República não atribua a alta votação do adversário ao analfabetismo, tratado como mácula e desonra. O plano econômico da hora é a democracia. É isso o que está em jogo.

Enquanto escrevo, vem-me a lembrança a fala de Bolsonaro, então pré-candidato, jactando-se em entrevista ao New York Times, de não ter comido carne humana em suposto ritual indígena porque gente de sua equipe não quis acompanhá-lo. O canibal diletante tratava a coisa como um de seus atos de coragem e desassombro: "É a cultura deles". Ele só lhes impõe "a nossa" quando se trata de, na prática, promover a invasão de terras indígenas pelo garimpo pistoleiro.

Chegamos, pois, ao extremo de a eleição ser também um confronto entre vegetarianos e carnívoros quando a matéria é a carne humana.

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