Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Se o país passar pela porta estreita, vem a reconstrução. Pra cima com a viga, moçada!

Como um criador às avessas, Bolsonaro disse: Façam-se as trevas. E se fizeram

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A PEC dos combustíveis e a dos benefícios sociais foram a facada dessa eleição, escrevi no dia 4 de julho, no UOL. E lembrei que a disputa se daria, mais uma vez, num ambiente de excepcionalidade. Em 2014, a morte de Eduardo Campos; em 2018, o ato tresloucado de Adélio Bispo e as ilegalidades da Lava Jato, que tiraram Lula da disputa.

O petista foi condenado sem provas, como sabem, pelo juiz incompetente e suspeito que virou subordinado de Bolsonaro e agora é senador eleito e prosélito de extrema-direita. A Lava Jato enfiou a faca no devido processo legal. E nos legou a terra dos mortos.

Não sei o que o futuro nos reserva. O certo é que o atual presidente, e deixei isso claro aqui mais de uma vez, sempre me pareceu um candidato perigoso. E não porque faça um governo competente. "Perigoso" não quer dizer "competitivo", o que suporia conhecimento e habilidade para ganhar dentro das regras do jogo. Não. O "risco Bolsonaro" sempre foi alto porque ele é o ás da trapaça.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante discurso em Recife - Diego Nigro/Reuters

"Olhem o Reinaldo com medo de perder (como se eu disputasse...) e a acusar jogo sujo antes do resultado". Esses são eles, não eu. Aponto os desmandos e descalabros desse governo desde os dois discursos de posse, em 1º de janeiro de 2019. O mandatário já deixava claro que não vinha para ser o presidente de todos os brasileiros. Via a sua missão com os olhos de um colonizador brutal. Havia naquelas palavras o ânimo de um saqueador.

O que vamos saber ao fim do dia 30 de outubro é se haverá alguma possibilidade de nos levantarmos do desastre ou se a desinstitucionalização do país e a barbárie terão continuidade, ameaçando ser um ciclo longo. Inexiste, aponto todos os dias no UOL e no rádio, paridade de armas entre Bolsonaro e seus adversários, agora representados (quase todos eles) por Luiz Inácio Lula da Silva.

Sempre me opus à reeleição, como evidencia um rastro enorme de textos, que remonta a 1997. Não há como o chamado "incumbente" não se beneficiar, de algum modo, da máquina, por mais cuidadoso que seja. E confusões aconteceram aqui e ali. O que se tem, desta feita, é outra coisa. O presidente ignora sem solenidade a ordem legal e ainda incita suas milícias a avançar contra os tribunais. Víssemos o Brasil apenas com a paciência, dedicação e austeridade de um entomologista, estaríamos maravilhados com o que nos revelam as vísceras do bicho dissecado. Confirmam-se todas as hipóteses do pesquisador.

As coisas foram acontecendo ao ritmo da imaginação a mais pessimista. Como um criador às avessas, Bolsonaro disse: "Façam-se as trevas". E elas se fizeram. E ele viu que aquilo era bom para os seus propósitos. E então deu início à destruição do ordenamento legal. E também à de gente, bicho e planta. E, como ensinam as Escrituras dos que examinam as entranhas da história, as instituições foram cedendo à fúria liberticida. Depois de tudo, resta a "porta estreita", para lembrar São Lucas, no dia 30.

Tomei para mim, em texto escrito na segunda, a divisa de Romain Rolland, atribuída por aí a Gramsci: "O pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade". No país em escombros, a prefeita de Uberaba comemorou o Dia das Crianças oferecendo-lhes uma exposição em que podem manipular armas pesadas. No Rio, o governador veste infantes com fantasia de guerreiros. Nos dois casos, a celebração da morte. Em Aparecida, santuário que glorifica a Padroeira do Brasil —por alcunha, "A Compadecida"—, romeiros de Bolsonaro cercaram uma pessoa que vestia uma camisa vermelha e tentaram agredi-la. Jornalistas foram hostilizados e ameaçados por arruaceiros e bêbados de verde e amarelo.

É claro que Bolsonaro ainda pode vencer o jogo sem regras. Dispõe de instrumentos de Estado e de recursos infinitos para tentar impor a sua vontade. Se acontecer, não haveremos de nos jogar do penhasco, como eles gostariam que acontecesse. Será preciso recorrer ao otimismo da vontade, sempre iluminado pelo pessimismo da inteligência. Em qualquer caso, a luta continua. "Viver é lutar". De todo modo, acho que o país conseguirá passar pela porta de São Lucas. Se acontecer, começa a reconstrução. Pra cima com a viga, moçada!

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