Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo Azevedo

Não sei fazer 'download' do Divino, mas Campos Neto está entre os que sabem

Em seminário na presença do presidente do BC, Pacheco cobra redução imediata da taxa de juros

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Que tal um ambiente institucional e regulatório em que, sendo o Banco Central autônomo, seu presidente fale apenas na ata do Copom? Isso lhe conferiria um ar de pureza sacerdotal em relação às contendas deste mundo. Já me parece suficientemente especioso, como evidência de rigor técnico, que a autoridade monetária pergunte antes a apenas um pedaço do tal mercado o que ela tem de fazer com a taxa de juros. A gente só fica estacionando os carros. Como se sabe, nessa área, contam as "expectativas". Voltarei a elas.

O presidente Lula entregou ao Congresso no dia 18 a proposta de arcabouço fiscal. Não tenho o dom de fazer "download" da Verdade Revelada —e creiam que invejo com benignidade os portadores de tal graça, com destreza para ver o mundo desde o fim. Não só: saúdo sua vocação monástica. Tenho receio de que, em seu lugar, eu monetizaria a bola de cristal. Sem tal habilidade fantástica, atenho-me aos dados de "nossa melancólica humanidade".

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante cerimônia em Brasília - Adriano Machado - 7.mar.23/Reuters

Se houve alguma surpresa no que veio à luz, foi no sentido oposto ao da gastança. Pessoas que votam no Boletim Focus me disseram isso de cara. Apreciaram o rigor com que se excluiu qualquer forma de receita extraordinária. De cara, indaguei sobre as excepcionalidades ao novo teto. A resposta me pareceu verificável: derivam da Constituição, na sua maioria, e não podem ser alteradas por Lei Complementar. Adicionalmente, o texto elimina a possibilidade de os bancos públicos serem usados para mágicas.

Começo aqui, leitor, a rumar para o meu ponto de partida. Qual a razão da radical mudança de humor dos mercados nesta quarta (19)? A proposta do governo, que nasceu de conversas prévias com o comando do Congresso, não havia tido nem mesmo uma noite de paz, e, como a Geni tentando algum repouso depois do assédio do comandante do Zeppelin, veio a palestra de Roberto Campos Neto a investidores em Londres, organizada pelo European Economics & Financial Centre.

Disse o quê? Vamos lá: a desinflação está mais lenta do que imaginava o BC; variáveis observadas pelo BC pioraram desde dezembro; expectativas muito maiores que a meta no horizonte relevante sugerem cuidado; Brasil tem histórico de inflação; país tem mecanismo muito fortes de indexação; é preciso ser persistente na política monetária (tire o cavalo da chuva quem achou que haveria uma antecipação da queda da Selic); repetiu que crédito direcionado é um dos problemas do país (cuidado, agronegócio!!!); eventual mudança da meta pode piorar as, bem..., "expectativas".

Àquela altura, fico cá a imaginar o que pensavam os investidores em Londres. Por aqui, o dólar disparou. O presidente do BC, que fala mais do que o homem da cobra, tentou dar uma colher de chá ao arcabouço. Não tinha visto direito, disse, destacando haver incerteza sobre a velocidade da aprovação, repetindo inexistir relação "mecânica" entre o fiscal e o monetário.

Será indelicado indagar se é papel de um presidente de BC, de qualquer um, fazer previsões pessimistas a investidores, seja em solo pátrio, seja em terra estrangeira? Se as tais "expectativas" são o deus último dos mercados, pergunto se cabia ao doutor proferir uma palestra com tal teor logo depois de se conhecer o texto do arcabouço. Eu ainda não entendi o que o Brasil ganha quando ele revela sua desconfiança sobre o processo de desinflação em curso. E quando diz o resto. Fora da ata. Os que conhecem o mundo desde o fim devem ter as respostas.

Ah, sim: nesta quinta (20), na abertura do Lide Brazil Conference, também em Londres, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) cobrou juro menor. Campos Neto estava na plateia e fala no mesmo evento nesta sexta. Tornou-se o logólatra nº 1 da República.

Seu mandato não é conferido pelo povo, mas pelo Senado, presidido por Pacheco, que se manifestou nestes termos: "Continuo defendendo a autonomia do Banco Central (...). Mas há um sentimento geral hoje, que depende de base técnica, mas também de sensibilidade política, que nós precisamos encontrar os caminhos para redução imediata da taxa de juros sob pena de sacrificarmos o trabalho que fizemos ao longo do tempo". Também o senador parece preocupado com nossa melancólica humanidade.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.