Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Modificação no DNA ajuda a extinguir memórias de medo no cérebro

Com alteração química chamada metilação, cientistas conseguiram 'ligar' parte do genoma

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Escrever sobre biologia, como tenho tido a sorte de fazer ao longo dos últimos 18 anos, é descobrir o tempo todo que as coisas são sempre mais complicadas e interessantes do que a gente imaginava até a semana passada.

Essa foi uma das muitas lições que tirei da leitura de um trabalho com participação de pesquisadores brasileiros, que versa sobre um tema que, à primeira vista, parece coisa de ficção científica: mexer com memórias traumáticas no cérebro.

Desenho de células de purkinje de pombo
Desenho de células de purkinje de pombo - Santiago Ramón y Cajal/Instituto Cajal/Wikimedia Commons

É importante destacar que o grupo, formado por pesquisadores como Rodrigo Grassi-Oliveira, Thiago Viola e Luis Wearick-Silva, do Instituto do Cérebro da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), não está envolvido em nenhuma forma sinistra de controle mental. Junto com colegas australianos da Universidade de Queensland, eles desvendaram um dos mecanismos moleculares necessários para a chamada extinção do medo, o processo pelo qual uma lembrança desagradável deixa de afetar de modo negativo o comportamento.

Do ponto de vista macroscópico, o processo é conhecidíssimo em camundongos de laboratório. Pode-se, por exemplo, acionar um som específico perto da gaiola dos bichos —um apito ou “bip”, digamos— e acompanhar esse barulho de um leve choque nas patas dos roedores.

Após algumas sessões, os camundongos aprendem a associar uma coisa à outra e começam a ter medo daquele som. O passo seguinte é a extinção propriamente dita: após sucessivas exposições dos animais ao barulho sem que haja qualquer choque, eles ficam paulatinamente mais relaxados, até perder o trauma.

Para que tudo isso aconteça, no entanto, é preciso que a orquestra dos neurônios esteja afinada, produzindo mensageiros químicos e forjando conexões entre cada célula, as quais refletem os processos de aprendizado dos animais —o que nos conduz a processos complicados de ativação e desativação do DNA.

Com efeito, o genoma, ou conjunto do DNA, pode ser visto como informação pura —uma biblioteca, que de nada serve sem leitores. A nova pesquisa australiano-brasileira, publicada há pouco na revista científica Nature Neuroscience, mostra como esse processo de leitura do DNA é complicado e dinâmico.

Os mais diferentes estímulos, dentro ou fora do organismo, podem levar a sutis alterações químicas que modificam esses padrões de leitura do genoma. Em tais casos, é comum que as “letras” químicas do DNA sejam ligadas ao chamado grupo metil, formado por um átomo de carbono e três de hidrogênio. Costumava-se achar que esse procedimento servia apenas para “desligar” genes —um sinal de “favor não usar” estampado em cima daquele pedaço do genoma.  

“A grande novidade é exatamente sobre isso: a metilação também pode ativar genes”, contou-me Grassi-Oliveira. Os pesquisadores mostraram que uma modificação do DNA desse tipo, chamada m6dA, aparece em diversas regiões do genoma dos neurônios durante o processo de extinção do medo. E, o que é mais sugestivo ainda, quando eles barraram a ação da molécula que faz essas alterações, os camundongos não conseguiam mais deixar de lado o trauma.

Conhecer esses mecanismos é o primeiro passo para achar maneiras de tratar problemas similares em seres humanos, como o estresse pós-traumático, combinando medicamentos com outras intervenções, por exemplo. “Não queremos deletar a informação ou mesmo anestesiar as emoções, mas fortalecer o controle das pessoas sobre elas”, diz ele. Tomara que funcione.

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