Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu dinossauro

Análise de osso revela pequeno predador do Brasil na Era dos Dinossauros

Fóssil foi encontrado no município de Osvaldo Cruz, no interior de São Paulo

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Vivemos num planeta absolutamente assombroso, no melhor sentido da palavra. Ainda estamos longe de mapear todos os milhões de espécies que compartilham a Terra conosco neste momento, mas duas coisas a esse respeito já estão bastante claras.

A primeira é que a trama de interrelações entre essa multidão de criaturas vivas é muito mais complexa do que qualquer coisa que possamos conceber. A segunda é que esse tecido infinitamente intrincado existe em quatro dimensões: não apenas nas três do espaço, mas também na do tempo.

Com efeito, cada vez que recuamos algumas dezenas de milhares de anos, uma proporção substancial dos atores entra ou sai do palco, mas a cena continua igualmente variegada. E isso se repete há pelo menos várias centenas de milhões de anos: um planeta vivo, sempre diferente, mas, talvez por isso mesmo, atapetado com uma teia de interrelações que podemos detectar e entender.

Reconstrução do animal grupo dos abelissaurídeos cuja vértebra foi encontrada no interior de São Paulo
Reconstrução do animal do grupo dos abelissaurídeos cuja vértebra foi encontrada no interior de São Paulo - Johnny Pauly Vieira (Mingau)

Pode parecer doideira, mas o fato é que as reflexões acima —não muito originais, concordo, mas sinceras— vieram-me à cabeça por causa de um único osso fossilizado. Trata-se de uma vértebra do meio da cauda de um dinossauro. Por enquanto é o único resquício do bicho a ser encontrado, ainda insuficiente para que se atribua a ele um daqueles bonitos nomes científicos que misturam latim e grego. Mesmo assim, a vértebra solitária ajuda a pintar um quadro mais claro e complexo da trama de relações entre os animais que eram os senhores da Terra há cerca de 70 milhões de anos.

Detalhes sobre a descoberta estão saindo na revista especializada Journal of South American Earth Sciences. Rafael Delcourt e Max Cardoso Langer, paleontólogos da USP de Ribeirão Preto e autores do estudo sobre o fóssil, relatam que ele foi encontrado, junto com resquícios similares de tartarugas e parentes extintos dos crocodilos, no município paulista de Osvaldo Cruz (noroeste do estado).

As características da vértebra deixam claro que se trata de um animal já adulto e que ele pertencia ao grupo dos abelissaurídeos, os quais estavam entre os principais dinos predadores da América do Sul no fim do período Cretáceo (o último da Era dos Dinossauros). Se você é daquelas pessoas que sempre sentiu certa pena dos bracinhos curtos do Tyrannosaurus rex, por favor guarde a maior parte da sua piedade para os abelissaurídeos: uma das características mais marcantes do grupo são as patas da frente minúsculas —"quase vestigiais", escreve a dupla de paleontólogos.

Os microbracinhos não impediram que os abelissaurídeos se tornassem predadores formidáveis, é claro. "A gente tinha uma fauna extremamente diversa desse grupo aqui no Brasil", diz Delcourt. "O maior dos abelissauros, chamado Pycnonemosaurus, que tinha 9 metros de comprimento, viveu aqui." Outras espécies mais modestas, mas ainda assim formidáveis, também têm sido descritas em território brasileiro.

Mas a vértebra do interior paulista mostra que também havia abelissauros relativamente nanicos no fim do Cretáceo brasileiro: cálculos que usam a dimensão desses ossos para estimar o tamanho corporal total indicam que o bicho atingia uns 3,5 metros de comprimento, não muito diferente de um jacaré de bom tamanho de hoje.

É fascinante pensar no que isso significa. Os ecossistemas do Cretáceo não eram simplificações de desenho animado, com um único carnívoro gigante aterrorizando presas indefesas, mas um mundo tridimensional, com espécies de diferentes tamanhos ocupando espaços distintos. Se os Pycnonemosaurus eram as onças, o misterioso abelissauro da vértebra e seus parentes talvez fossem as jaguatiricas. Mais mistérios como esses estão à nossa espera.

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