Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

Leandro Narloch tem de fazer mea culpa por ajudar a envenenar o debate público brasileiro

O narlochismo não passa de linha auxiliar do bolsolavismo

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Sim, gentil leitor, eu também fiquei mortificado ao saber da volta do colega Leandro Narloch ao rol de colunistas desta Folha. Considero inegável que os livros e textos dele tenham ajudado a envenenar o debate público brasileiro. O narlochismo não passa de linha auxiliar do bolsolavismo.

A questão é que existe método no conjunto da obra do escriba curitibano. Seja falando dos indígenas do Brasil, de Zumbi dos Palmares, das glórias do liberalismo econômico ou da crise do clima, as especialidades de Narloch são:

1) Pegar uma vírgula e transformá-la numa página inteira. Para ele não importa o contexto dos fatos, apenas detalhes levemente dissonantes (e, em geral, pouco relevantes) que lhe permitam dizer “A-há, eis o que estavam escondendo de você, leitor”;

2) Usar e abusar do que se chama evidência anedótica: o que Fulano ou Sicrano viram uma ou duas vezes é algo que, para ele, tem o mesmo peso de anos de observações cuidadosamente controladas e análises estatísticas;

3) Pura incapacidade de interpretar temas complexos que aparentemente ele não domina.

A coluna de reestreia dele por aqui traz bons exemplos das maracutaias 1 e 3. Ao circunscrever o problema da crise do clima ao número de pessoas diretamente mortas por desastres naturais no último século, Narloch coa o mosquito e engole o camelo, como diria o bom Nazareno.

Isso porque aumentar a temperatura da Terra é o tipo da mudança que traz impactos não lineares e caóticos, como a mariposa que bate asas aqui em São Carlos e produz um tufão nas Filipinas. Nosso colunista paranaense não inclui na conta dele as mortes extras por malária, as vidas que serão ceifadas em guerras civis impulsionadas por escassez hídrica e o que fazer quando não for mais possível plantar café em São Paulo ou na Etiópia. E olhe que estou deixando de lado a possibilidade de mudanças realmente catastróficas, como alterações de grande escala em correntes marinhas.

Quando fala sobre a questão indígena, Narloch também adora usar o item 2, repetindo histórias sobre silvícolas malvados vendendo macaquinhos para turistas na beira da estrada. Isso seria um indicativo de como se deve relativizar a suposta boa relação entre os nativos e os ecossistemas naturais.

Ainda que cada BR deste país estivesse coalhada de guaranis fazendo liquidação de micos-leões, porém, isso não anularia o fato, comprovado por incontáveis dados de satélite e trabalho de campo, de que reservas indígenas são os principais baluartes contra o desmatamento, tanto aqui quanto em outros países. Curiosamente, eis um dado que ele não costuma mencionar com o mesmo entusiasmo.

Mas a obra máxima do narlochismo foi a tentativa de argumentar, com base no DNA, que os indígenas de 1500 foram tranquilamente integrados na sociedade colonial. Afinal, o genoma dos brasileiros carrega uma porcentagem apreciável de material genético ameríndio.

Narloch só se esqueceu de notar que há um brutal viés sexual embutido nesses dados. Só 0,5% dos brasileiros carregam cromossomos Y (a marca genética da masculinidade) derivados de homens indígenas. Trata-se de uma assinatura clara de conquista violenta: mulheres são estupradas ou viram concubinas, homens são executados ou escravizados, não conseguindo deixar descendentes.

Aproveitando a temporada de mea culpa, Narloch podia fazer o seu. Cada cascata vinda de sua pena virou justificativa intelectual para que a súcia hoje no comando do país esteja fazendo o que faz. ​

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