Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu dinossauro

Álbum de família

Análise de DNA revela surpreendentes supergrupos dos mamíferos durante a Era dos Dinossauros

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A estranheza do tempo profundo é uma daquelas coisas que deveriam deixar todos nós perpetuamente de queixo caído. É a coisa mais natural do mundo, por exemplo, dar uma olhada nos animais ao nosso redor — um gato aqui, um cachorro acolá, vacas pastando, cada macaco no seu galho — e imaginar que essa variedade de formas e tamanhos tem algo de imutável. Gatos, cachorros, vacas e macacos estão por aí "desde que o mundo é mundo", e, decerto, desde que existem seres humanos capazes de designá-los por esses nomes, na nossa língua ou em qualquer outra.

Nada, repito, é mais natural — ou mais factualmente errado. E não só porque cada um desses animais modernos tem sua própria história de transformações anatômicas e comportamentais ao longo de milhões de anos (como os cães, cujos tataravós eram todos lobos há relativamente muito pouco tempo).

A verdadeira fonte de assombro consiste em compreender que, recuando rumo ao tempo profundo, essas infinitas formas se fundem umas às outras, feito os netos que desaparecem e remontam aos avós se o filme das gerações humanas é rebobinado. O milagre da ancestralidade comum, um dos pilares da evolução, faz com que, quando fazemos o filme voltar até certo ponto, deixa de fazer sentido a distinção entre "cães" e "gatos" (ou entre "seres humanos" e "macacos") porque houve um momento em que eles eram a mesma coisa, membros da mesma espécie, perfeitamente capazes de acasalar entre si e gerar filhotes.

Porco-formigueiro, membro do grande grupo ancestral de mamíferos que inclui elefantes e peixes-bois
Porco-formigueiro, membro do grande grupo ancestral de mamíferos que inclui elefantes e peixes-bois - jurra8 - stock.adobe.com

E aqui, mais uma vez, basta voltar no tempo por um período suficientemente longo para que a coisa ganhe ares de ficção científica. Foi o que me veio à cabeça ao ler um artigo publicado recentemente no periódico especializado Science. Nele, a equipe de pesquisadores encabeçada por Nicole Foley, da Universidade A&M do Texas, usou dados de DNA de 241 espécies de mamíferos vivos hoje para reconstruir como seus ancestrais evoluíram desde o período Cretáceo. Ou seja, há mais de 100 milhões de anos, em plena Era dos Dinossauros.

O estudo, que é um dos mais amplos do tipo até agora, confirma o parentesco primevo entre mamíferos que, vistos lado a lado hoje, pareceriam mero saco de gatos (com o perdão do trocadilho). Nas profundezas do Cretáceo, por exemplo, ainda não tinha ocorrido a separação das linhagens dos chamados Euarchontoglires — grupo que hoje inclui tanto os primatas, como macacos-pregos e seres humanos, quanto roedores e coelhos (pois é, eles não são roedores propriamente ditos; sim, é confuso mesmo).

Ainda mais loucamente eclético é o grande grupo dos Scrotifera, que abrange morcegos, carnívoros e ungulados (as vacas, por exemplo, mas também as baleias), entre outros. Meu preferido, no entanto, é o grupo dos Atlantogenata, que deu origem, do lado de cá do Atlântico (daí o nome do grupo), a tatus e tamanduás, enquanto do lado de lá, na África e regiões vizinhas, gerou elefantes, peixes-bois e bichos ainda mais peculiares, como o porco-formigueiro.

Convém lembrar que provavelmente nenhuma das características que associamos a esses mamíferos hoje existia na Era dos Dinossauros. Esses ancestrais eram todos de pequeno porte e de anatomia relativamente genérica, talvez lembrando um pouco roedores ou musaranhos. Os dados de DNA sugerem que esses grandes grupos, de início, separaram-se entre si por processos geológicos, como o que fez a América do Sul se "descolar" de vez da África no período Cretáceo.

A fragmentação desses supergrupos em conjuntos menores, os quais, aos poucos, foram tomando a forma de mamíferos mais parecidos com os que conhecemos, parece ter sido resultado da extinção em massa que dizimou os dinossauros há 66 milhões de anos.

Sem precisar competir com os répteis gigantes, os mamíferos sobreviventes herdaram o mundo e foram se adaptando aos mais diferentes ecossistemas e estilos de vida, dos galhos das árvores colonizados pelos primatas à vida de predador dos ancestrais de lobos e felinos. Além da ancestralidade comum, essa é outra constante no roteiro do filme da evolução: a capacidade que a vida tem de encontrar uma saída.

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