Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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'Telepatia' usando ressonância magnética do cérebro avança, mas esbarra na individualidade do cérebro

A mente de cada um de nós está muito mais próxima de um verbo do que de um substantivo

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Que me perdoe o professor Charles Xavier, mutante telepata da Marvel que é uma das criações dos saudosos Stan Lee e Jack Kirby, mas o melhor retrato ficcional da comunicação direta entre mentes humanas que já li até hoje é obra de uma autora brasileira.

Se você ainda não leu, aconselho fortemente que conheça "A Telepatia São Os Outros", de Ana Rüsche. Nem que seja só para tirar de vez da cabeça a ideia de que, se conseguíssemos mesmo nos conectar telepaticamente com outra pessoa, o resultado seria apenas uma versão silenciosa das conversas que somos capazes de entabular verbalmente.

O ator Patrick Stewart no papel de Professor Xavier em "Doutor Estranho" - Divulgação

Nada poderia estar mais longe do que acontece no livro. Vou evitar os "spoilers" –embora possa adiantar que a trama envolve uma viagem da protagonista ao Chile, o uso de substâncias psicoativas que derivam do conhecimento de populações tradicionais e a interface entre biologia e tecnologia. Por ora, basta dizer que o mais bonito da telepatia retratada pela imaginação de Rüsche, ao menos do meu ponto de vista, é que a autora leva a sério uma das máximas da neurociência: "A mente é o que o cérebro faz".

Em outras palavras: a mente de cada um de nós está muito mais próxima de um verbo do que de um substantivo. Em vez de uma essência unitária e constante —uma espécie de piloto minúsculo, sentado numa cabine em algum lugar do seu crânio, apertando botões e virando o leme–, o que vemos é um turbilhão de memórias, sensações, emoções e desejos que acompanham e/ou se sobrepõem ao "eu" que está falando.

Por isso, quando, na história, mentes diferentes se tocam, a experiência é infinitamente mais avassaladora do que um simples "Oi, tá me ouvindo?" que a gente pronuncia ao encostar o telefone no ouvido. Em vez disso, é como se dois furacões ou duas placas tectônicas se tocassem.

Isso significaria que, por princípio, seria impossível "ler a mente" de alguém por meios tecnológicos? Bem, dois estudos recentes mostram as possibilidades e limitações por trás dessa ideia.

Ambos se valem das mesmas ferramentas básicas: sistemas de reconhecimento de padrões baseados em inteligência artificial (os mesmos por trás do famigerado ChatGPT e dos aplicativos de geração de "arte") e análises do cérebro de voluntários por fMRI (imageamento de ressonância magnética funcional), que acompanham o fluxo sanguíneo cerebral.

A ideia é, primeiro, apresentar aos voluntários estímulos já conhecidos para acompanhar como o cérebro deles reage. Num dos estudos, feito no Japão, os estímulos foram basicamente fotografias; no outro, de uma equipe no Texas, usou-se linguagem verbal narrativa (16 horas de podcasts; haja paciência). A ideia é que, sabendo como o cérebro reage a esses estímulos, seria possível para a inteligência artificial reconstruir imagens e histórias não conhecidas usando apenas os sinais cerebrais –"lendo", portanto, a mente.

Funcionou? Sim –até certo ponto. As imagens reconstruídas até lembram bastante as vistas pelas pessoas, enquanto as histórias verbais têm o mesmo tema e estrutura geral (embora muitos detalhes sejam diferentes).

O mais intrigante, porém, é que o "treino" da inteligência artificial só funciona quando é individualizado. Ou seja, não adianta usar os dados do cérebro de uma pessoa para reconstruir os "pensamentos" de outra. Ao que parece, cada cérebro é uma máquina idiossincrática e caótica demais, cujo funcionamento detalhado não pode ser previsto com base no que se vê em outros cérebros. Fica para a próxima, professor Xavier.

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