Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Descrição de chapéu mudança climática petrobras

Nada cristalino

Consenso científico sobre clima não vai evaporar só porque ministro de Lula não quer desmamar do petróleo

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Eu realmente gostaria de saber que fontes o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anda usando para dizer que tá tudo bem o Brasil continuar a expandir sua exploração de petróleo.

Na semana que passou, quando colegas lembraram a ele que, segundo o IPCC (o painel do clima da ONU), não há como adotar esse caminho e achar que as metas do Acordo de Paris contra a emergência climática serão cumpridas, o ministro de Lula se saiu com uma afirmação misteriosa, sibilina —ou, se formos menos caridosos, cascateira mesmo.

"Nós temos estudos que apontam, de forma clara e cristalina… que contrapõem exatamente essa posição do IPCC", declarou ele durante entrevista coletiva na capital paraense.

O presidente Lula e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante a Cúpula da Amazônia, em Belém - Ueslei Marcelino - 9.ago.23/Reuters

Silveira que me perdoe, mas, nas imortais palavras do padre Quevedo, aquela saudosa fusão entre catolicismo e ceticismo científico, tais estudos "non ecziste"; isso é "charlatanismo". O buraco climático que já cavamos é tão fundo, mas tão fundo, que, a rigor, em vez de cogitar a abertura de novos poços, a Petrobras deveria estar pensando em quando vai fechar os que ainda está operando.

Claro que isso vale tanto para a Petrobras quanto para todas as petroleiras do mundo, sem exceção. O Brasil, pelo menos, ainda pode usar a desculpa de que entrou na brincadeira de produzir apocalipse climático bem depois do Primeiro Mundo. (Mas só mais ou menos: quando levamos em conta o que andamos emitindo de gases-estufa ao longo de séculos de desmatamento, descobrimos que o país está entre os piores poluidores da história.)

Mesmo com tal atenuante, porém, é um bocado irresponsável fingir estar de posse de "fatos alternativos" segundo os quais o céu é, sei lá, amarelo-ovo em vez de azul. Seria menos feio colocar a teimosia na conta da realpolitik, como parte da esquerda vem fazendo. Uma vez que quase ninguém dá sinais de largar a mão dos combustíveis fósseis tão já, o Brasil acabaria se prejudicando economicamente se bancasse o bom-moço do clima, sem que isso bastasse para resolver o problema —ou é o que diz esse povo.

Se não dá para esperar nem princípios sólidos nem sinceridade da abordagem climática brasileira, eu já ficaria contente com, pelo menos, alguma ousadia estratégica. A gente sabe que "Energiabras" nem de longe soa tão imponente quanto "Petrobras", mas era essa metamorfose que o ministério de Minas e Energia deveria estar liderando já faz muito tempo (descontando-se, vá lá, os anos de trevas entre 2016 e 2022).

Afinal de contas, é consenso na academia e no mercado que a estatal petrolífera é uma das poucas empresas nacionais que de fato produz inovação tecnológica de ponta. O problema é que, até agora, a Petrobras tem direcionado sua criatividade quase exclusivamente para a descoberta de maneiras mais eficazes de arrancar hidrocarbonetos —esse esterco de Satanás— do subsolo.

Cadê o investimento pesado em tentativas de reaprisionar o gás carbônico em locais distantes da atmosfera e dos oceanos? Ou de transformar o dióxido de carbono em insumo para a indústria? A pesquisa sobre células de combustível e modelos inovadores de energia solar acaso não deveria ser, hoje, o carro-chefe da futura "Energiabras"? Isso, é claro, para não falar de biocombustíveis e de biotecnologia.

Seria menos intragável ouvir falar sobre mais poços de petróleo (excetuando-se a desonestidade intelectual dos estudos "claros e cristalinos") se houvesse sinais claros de uma estratégia para substituí-los o quanto antes, com inteligência e soberania. Não é o que estamos vendo.

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