Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo José Lopes

Transformações trazidas por ascensão e queda de Roma marcaram DNA de povos da Europa Oriental

Novo estudo genômico traz algumas respostas fascinantes e complicadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imagine uma época na qual os homens mais poderosos do mundo costumavam nascer não em Nova York, Londres ou Pequim, mas em vilas militares das atuais Sérvia e Croácia. Bem, era assim o século 3º d.C., quando uma sucessão de imperadores romanos (entre os quais Diocleciano, o maior perseguidor dos cristãos, e Constantino, que adotou a fé em Jesus) veio justamente dessa região da Europa Oriental.

Do nosso ponto de vista, de fato, é estranho imaginar quão profundamente "romanizada" estavam essa área e as regiões vizinhas. Todo mundo ali falava uma variante popular do latim, por exemplo —a prova disso é a existência do atual idioma romeno, cuja semelhança com a palavra "romano" está longe de ser casual, é claro. Hoje, porém, o romeno é uma ilha cercada por línguas bem diferentes por todos os lados, entre as quais se destacam os idiomas eslavos, como o próprio sérvio-croata (a rigor, sérvios e croatas falam dialetos da mesma língua), o búlgaro e o ucraniano.

O que, é claro, deixa uma série de mistérios no ar. Como a terra natal de Constantino e Diocleciano deixou o latim de lado? E, enquanto o Império Romano durou, qual foi exatamente o impacto de Roma nos povos que viviam ali?

Palácio romano em Split, na Croácia
Palácio romano em Split, na Croácia - Bernard Gagnon/Wikimedia Commons

Um novo estudo genômico traz algumas respostas fascinantes e complicadas para essas e outras perguntas. A pesquisa, liderada por Iñigo Olalde, da Universidade do País Basco, Carles Lalueza-Fox, da Universidade Pompeu Fabra (ambas na Espanha), e David Reich, da Universidade Harvard (EUA), acabou de sair na revista especializada Cell. O trio e seus colegas analisaram o DNA de 136 pessoas que viveram na região entre o auge do poderio de Roma (a partir da época do nascimento de Cristo) e o período pós-romano (que começa por volta de 550 d.C., quando a área sai do controle do Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla – a atual Istambul).

Uma pergunta básica que arqueólogos e historiadores sempre se fazem é: até que ponto grandes mudanças políticas –como a conquista de um território por um grande império, digamos, ou a queda desse império– acabam se refletindo na composição de uma população? No caso em questão, será que os romanos se mudaram em massa para a Europa Oriental após a conquista, ou o que predominou foi o processo pelo qual a população local se tornou culturalmente romana?

Bem, o DNA antigo mostra uma série de coisas interessantes. Primeiro, o domínio de Roma parece não ter trazido imigrantes da Itália para as atuais Sérvia e Croácia. Mas gente oriunda das atuais Turquia e Síria (também dominadas pelos romanos) parece ter vindo para a região em números consideráveis. Há indícios mais modestos de imigrantes do atual norte da África (outra área conquistada pelo império) e, curiosamente, até da África Oriental (de regiões como a Etiópia e a Eritreia). Roma, portanto, "globalizou" geneticamente a região, mas não com o seu próprio povo.

Por volta da época de Constantino e nas décadas seguintes, vemos a chegada de um componente genético típico do norte e do centro da Europa, possivelmente associado a tribos germânicas, como os godos, que estavam guerreando e também se aliando com Roma nessa época. Mas essa contribuição é praticamente apagada a partir de 700 d.C., com a chegada de grupos falantes dos idiomas eslavos, numa migração que incluía tanto homens quanto mulheres em proporções similares.

Calcula-se que metade ou mais da herança genética dos países da região que hoje falam idiomas eslavos veio desse movimento populacional. E o impulso atingiu até a Grécia e suas ilhas, em que a contribuição genética desses povos parece ter ficado entre 30% e 20%.

É difícil imaginar uma transformação tão grande num mundo que parecia tão poderoso e sólido quanto o império regido por Constantino. Com a distância dos séculos, porém, o que fica é um fato inescapável: nações "puras" e "eternas" são uma ilusão –na nossa espécie, as misturas de genes, línguas e culturas sempre prevalecem.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.