Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu África

Chegada de formiga invasora remodela ambiente na savana africana

Inseto destrói primo nativo, gera extermínio de árvore e afeta até leão e zebra

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Que diferença uma única espécie de formiga é capaz de fazer num ecossistema? Ao que tudo indica, uma diferença tão gigantesca que a vida de árvores, leões, zebras e búfalos pode mudar um bocado simplesmente por causa da tal formiguinha.

Para isso, basta que ela seja uma espécie invasora. Ou seja, trata-se de uma recém-chegada que evoluiu num lugar totalmente distinto e não está inserida na trama de interrelações, com milhões de anos de idade, que prevalece em seu novo ambiente.

Essa, em suma, é a história fascinante e assustadora narrada num estudo que acaba de sair na revista especializada Science. Nele, uma equipe internacional de pesquisadores estudou o avanço aparentemente inexorável da Pheidole megacephala, ou –sério, o nome é esse mesmo– formiga-cabeçuda. (Ninguém, afinal de contas, recebe o apelido grego de "megacéfala" em vão.)

Zebra em parque nacional do Quênia, na África Oriental
Zebra em parque nacional do Quênia, na África Oriental - Joe Penney/Reuters

A um ritmo médio de cerca de 50 metros por ano, a formiga-cabeçuda, provavelmente originária de uma ilha do oceano Índico, tem se espalhado pela savana do Quênia, na África Oriental, em lugares como a região de Laikipia. Sua primeira vítima direta são outras formigas, do gênero Crematogaster, mas a coisa está longe de parar por aí.

Isso porque as Crematogaster, ou formigas-das-acácias, formaram uma aliança duradoura com essas árvores. Enquanto as acácias fornecem aos insetos nativos néctar e abrigo em estruturas especiais, chamadas de espinhos inchados, as formigas africanas defendem as plantas com ardor das incursões de herbívoros.

Nem elefantes são capazes de destruir as acácias quando suas formigas residentes estão a postos –o efeito da herbivoria por parte dos paquidermes cai a apenas um décimo do esperado graças a elas. Assim, em condições normais, as acácias são a espécie vegetal dominante na savana da região.

As formigas-cabeçudas invasoras, porém, são capazes de exterminar as nativas, matando indivíduos adultos e devorando ovos, larvas e pupas. Resultado: as acácias ficam vulneráveis aos elefantes e quase somem da paisagem.

Mas outros dominós desse jogo também desabam. Uma série de experimentos e observações, coordenados por Jacob Goheen, da Universidade de Wyoming (EUA), revelaram que a guerra entre formigas modificou a interação entre os principais vertebrados de grande porte na savana. Com o terreno muito mais aberto, sem acácias, ficou prejudicada a tática usada normalmente pelos leões para caçar zebras: aproveitar-se da cobertura dada pelas árvores para se esconder.

O resultado disso é que as zebras ficaram consideravelmente mais ariscas, passando de 67% para 42% do total das presas abatidas pelos leões em Laikipia. Para compensar a escassez de carne de zebra, os grandes felinos passaram a atacar búfalos. Antes, os bovinos nunca eram caçados pelos leões do local, mas agora passaram a ser 42% das presas devoradas por eles.

Ao menos por enquanto, as consequências para os vertebrados de grande porte não foram apocalípticas —os leões aparentemente ainda não estão passando fome, nem houve uma explosão populacional das zebras ou um declínio apreciável dos búfalos.

Em parte, isso talvez tenha a ver com o fato de que a introdução das formigas-cabeçudas no ambiente da região seja bastante recente, tendo começado só nos anos 2000. Ainda assim, não deixa de ser impressionante o que acontece quando uma única peça-chave de um ecossistema é trocada. Alterações ambientais muitas vezes são inevitáveis –mas o esforço humano para captar a complexidade de suas consequências é essencial se quisermos alcançar algum tipo de maioridade responsável como espécie.

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