Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Desmate enche solo de fungos que adoecem plantas, afirma estudo

Retirar floresta destrói simbioses benéficas e bagunça a ciclagem de nutrientes

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Os efeitos do desmatamento sobre a biodiversidade macroscópica (aquela que todos somos capazes de enxergar a olho nu) existente acima do solo não são difíceis de imaginar. Em ambientes de floresta tropical como os que predominam no Brasil, somem os ipês, as embaúbas, os macacos e os mutuns, trocados por capim, cana ou soja. Mas as repercussões do desmate são literalmente mais profundas do que eu acabei de descrever, e um novo estudo mostra em detalhes o que acontece com as comunidades de micro-organismos que povoam o solo no qual outrora tinha crescido uma floresta. "Spoiler": não é um cenário dos mais inspiradores.

Os resultados dessa análise acabam de sair na revista especializada PNAS, em artigo assinado por Xinjing Qu, da Universidade de Estudos Florestais de Nanquim, na China, e Manuel Delgado-Baquerizo, do Instituto de Recursos Naturais e Agrobiologia de Sevilha (Espanha), entre outros especialistas.

Pasto com árvores mortas em fazenda às margens da rodovia Transamazônica - Lalo de Almeida/Folhapress

O trabalho da equipe coordenada pelos dois comparou o antes e o depois do desmatamento numa gama bastante ampla de ambientes, que vão de florestas temperadas da própria China, dos EUA e do Canadá às selvas equatoriais da África e do Brasil, passando por bosques subtropicais da Austrália. No total, foram quase 700 pares de floresta versus área com uso agrícola (essa última categoria foi dividida em plantações de árvores comerciais, pasto e lavoura).

O foco de Delgado-Baquerizo, Qu e companhia é a diversidade microbiana do solo florestal e pós-florestal –e, mais importante ainda, a capacidade que ela tem de oferecer serviços ambientais.

Se você acha que coleta de esgoto e transporte coletivo são "serviços essenciais" (e são mesmo), imagine o que aconteceria se sistemas desse tipo fossem desligados ou afetados em nível ecossistêmico. Pois é o equivalente biológico dessas coisas –serviços como decomposição de matéria orgânica, reciclagem de nutrientes, incorporação de elementos químicos etc.– que os micro-organismos do solo fazem de graça, o tempo todo, mundo afora.

Existe alguma variação nos resultados comparativos, dependendo do tipo de uso econômico dado à área desmatada. Ao que parece, plantações de árvores comerciais e pastagens têm efeitos menos radicais sobre a biota (conjunto de micróbios) do solo do que as lavouras. Mas todos, em alguma medida, promovem uma reorganização agressiva das comunidades microbianas.

A mais importante delas é trocar os fungos simbiontes –que, num ambiente natural, são companheiros das plantas e as ajudam a absorver nutrientes– por fungos parasitas. Isso acontece porque a concentração da mesma espécie de plantas de interesse comercial cria um banquete para esses micro-organismos, como se eles fossem o vírus do sarampo entrando, todo pimpão, numa sala de aula cheia de crianças não vacinadas.

Em segundo lugar, a diversidade de bactérias até aumenta, mas são espécies de metabolismo e reprodução muito rápidos (com velocidade superior até à média já vertiginosa das bactérias) que estão ali para devorar rapidamente os fertilizantes artificiais usados comercialmente. Nesse sentido, a dinâmica do solo começa a se tornar "abiótica", escrevem os pesquisadores –é quase como se a terra não estivesse mais viva.

Tudo isso faz com que o solo pós-desmate perca até 48% de seu carbono orgânico e 23% de seu nitrogênio quando deixa de abrigar a mata. Com o passar das décadas, esses indicadores até melhoram lentamente –mas não quando o solo continua a ser usado constantemente para o plantio de lavouras comerciais. Nesses casos, é como se ele continuasse "respirando por aparelhos" somente graças ao uso dos fertilizantes artificiais.

Ninguém aqui está defendendo que acabemos com a agricultura comercial, sem a qual, aliás, teríamos sérias dificuldades de alimentar a população. Mas dados como os desse estudo mostram como os recursos mais preciosos do solo dependem da biodiversidade no longo prazo. É preciso saber preservá-los, nem que seja por amor ao bolso e visão de longo prazo.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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