Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Teoria da evolução ajuda a explicar lógica social do Big Brother

BBB captura instintos de formação de grupos, monitoramento e justificação moral

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Mesmo os piores detratores do Big Brother Brasil, se tiverem um pouco de curiosidade sobre como funciona a cabeça das pessoas, devem se perguntar por que o programa continua sendo exibido com considerável grau de sucesso há mais de duas décadas. Responder que muita gente aparentemente possui um apetite inesgotável por porcaria televisiva pode até ser verdade, mas não esclarece muita coisa. Tentando deixar de lado as emoções fortes, vindas tanto dos "haters" furibundos quanto dos fãs de carteirinha, faço aqui uma modesta proposta: a verdade é que Darwin explica.

O que quero dizer é que a maior parte do apelo do programa deriva diretamente de aspectos da psicologia humana moldados pela nossa história evolutiva. Aliás, a rigor, o que acabei de dizer é um tanto tautológico: todos os aspectos básicos da nossa psicologia foram, em alguma medida, influenciados pela nossa evolução, simplesmente porque não caímos prontos do céu, mas somos, em essência, uma espécie de grande símio africano.

Elenco do BBB 24 de reúne da sala em dia de estreia
Elenco do BBB 24 de reúne da sala em dia de estreia - Reprodução Globoplay

De um lado, é claro, muitas pessoas consideram a oportunidade de "dar uma espiadinha" na vida alheia durante 24 horas por dia um troço irresistível. E isso bate um bocado bem com ideias como as do antropólogo britânico Robin Dunbar, que já chegou a estimar que cerca de dois terços das conversas humanas correspondem a assuntos sociais –ou, menos polidamente, consistem em falar da vida dos outros.

Bancar a dona Fifi e ficar de olho no que os vizinhos andam aprontando é, decerto, falta de educação, mas esse tipo de monitoramento era essencial em sociedades de pequena escala como as que existiam no nosso passado. Nelas, a única fonte de informação sobre quem era confiável e quem era um traíra era o popular boca a boca. Diante dos "brothers", estamos apenas repetindo esse instinto.

Acho bem mais interessante, porém, usar o prisma darwiniano para enxergar a mecânica que acontece dentro da "casa mais vigiada do Brasil" (prometo que esse é o último clichê-BBB que vai aparecer neste texto). Por exemplo: gente com ar de séria volta e meia ridiculariza as juras de amor ou de amizade e lealdade eterna feitas pelos participantes. "Pelo amor de Deus, esse pessoal se conhece faz só duas semanas!", dizem tais sabichões.

Acontece, porém, que experimentos de psicologia social já mostraram que produzir essa identificação com um grupo é a coisa mais fácil do mundo. Basta tirar cara ou coroa, ou dar às pessoas bandeirinhas com cores diferentes, e elas, quase instantaneamente, começarão a se sentir parte de um novo círculo social. No contexto do BBB, é claro que o isolamento ajuda a reforçar esse processo: "se não tem tu, vai tu mesmo" como melhor amigo ou grande paixão. De novo, é um sinal de que estamos programados para pertencer ao grupo em que estamos inseridos.

Além disso, as edições (comparativamente) mais recentes do programa, com subdivisões como "Camarote" e "Pipoca", são pensadas para reforçar essa dinâmica de autoidentificação com grupos antagônicos, ainda mais considerando que um dos grupos tem famosos (haja aspas mentais no adjetivo), enquanto o outro é o dos anônimos.

Um último elemento especialmente sacana é o da dinâmica das alianças e votos para o Paredão. Vale reparar como emergem mecanismos implícitos sobre até que ponto é correto se aliar a certos participantes e incitar o voto em outros –a autodefesa, em geral, é vista como uma motivação válida para votar em alguém, enquanto a perseguição recorrente para tirar alguém do jogo muitas vezes se volta contra o articulador desse tipo de conchavo.

Ou seja, mesmo num jogo aparentemente tão frívolo, o reflexo mais comum é dar às ações uma moldura moral, fundada no que seria "justo" ou "injusto" nas relações humanas fora da casa do BBB. No contexto da competição, isso pode até soar hipócrita, mas esses impulsos são indispensáveis para a nossa vida em grupo no mundo real.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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