Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Insistem em falar de biologia para justificar desigualdade no futebol

Passado o Dia da Mulher, notícias lembram por que essa data precisa existir

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Mais um 8 de março passou, mais rosas foram distribuídas, mais parabéns foram repetidos. Mais clichês de "dia da mulher é todo dia" vieram à tona. E em menos de uma semana, tantas notícias já nos fizeram lembrar por que essa data ainda precisa existir.

Nos Estados Unidos, a defesa da US Soccer no processo movido pelas jogadoras da seleção americana pedindo igualdade de pagamentos mencionou que elas não têm as mesmas habilidades nem as mesmas responsabilidades que os jogadores precisam ter e, por isso, não merecem a mesma remuneração que eles.

Megan Rapinoe e suas companheiras têm mais sucesso do que a seleção masculina dos EUA - Franck Fife - 2.jul.19/AFP

Disseram que, por eles serem mais fortes e mais rápidos ("isso é ciência indiscutível", segundo a confederação) são melhores que elas, as tetracampeãs mundiais e tetracampeãs olímpicas.

Ou seja, a seleção masculina do país, que nem sequer conseguiu se classificar para a Copa do Mundo em 2018, merece ganhar mais porque homens são mais fortes que mulheres. Em que ano estamos mesmo?

Ainda bem que, se a confederação prefere manter essa ideia retrógrada, as patrocinadoras dela, não. Coca-Cola e Visa disseram que não compactuam com essa visão sexista da entidade e ameaçaram retirar os patrocínios.

Se dentro de campo a luta ainda é longa, fora dele ela está só começando. Um torcedor do Botafogo foi flagrado na terça (10) filmando uma torcedora de costas sem o consentimento dela. Sentado, ele dá zoom no melhor ângulo que conseguiu do bumbum dela.

Um outro torcedor atrás dos dois filmou a cena, que viralizou com a revolta de mulheres e de alguns homens, mas com a consternação de outros que alegaram: "Ele não está causando nenhum dano a ela ali. Ela nem sabe que foi filmada".

O fato de ela não saber é justamente o que faz dessa situação uma violência. Filmar o corpo de uma mulher (aliás, de qualquer pessoa) sem o consentimento dela para compartilhar esse vídeo nas redes sociais (e é óbvio que os homens que fazem isso não guardam esses vídeos para si) é crime.

Mas não é só crime. É nojento, é asqueroso, é primitivo. Não vou dizer aqui que ela "poderia ser sua mãe ou sua filha" para despertar a empatia masculina. Porque o respeito não deveria vir por ser parente —deveria vir por ser humano.

É impossível explicar o que uma mulher sente ao andar na rua e ouvir comentários sexuais sobre seu corpo. Não, a gente não se sente elogiada.

A gente se sente violada, se culpa pela roupa que veste, pela hora que sai, pelo caminho que escolhe. Quando vai ao estádio de shorts e ouve um "gostosa", a gente não fica lisonjeada. Fica enojada. E escolhe ir de calça da próxima vez. Mas aí a gente ouve a mesma coisa, mesmo de calça, de agasalho e até de burca. Até o dia que escolhe não ir por medo ou por cansaço de viver tudo isso.

Mas no 8 de março, sempre virão os "parabéns". Não percebem que não é isso que queremos com essa data.

O que nós, mulheres, queremos é o direito de ir e vir sem ser assediada, agredida, estuprada. Queremos ir a um jogo de futebol de shorts sem medo de que nossas bundas sejam filmadas e circulem em grupos de WhatsApp de desconhecidos como se fossem um prato de comida suculento para animais famintos salivando.

Queremos jogar futebol (ou exercer qualquer outra função) e ter o mesmo respeito e valorização, sabendo que temos habilidades e características diferentes das dos homens, mas que nem por isso são piores.

Não nos deem parabéns, nos deem nossa liberdade.

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