Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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No Brasil e no futebol, atropelamos o 'quando tudo isso passar'

Em agosto, quando a CBF retomar o calendário nacional, a situação estará melhor?

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“Quando tudo isso passar” talvez seja a frase que mais ouvimos ao longo dos quase quatro meses de pandemia do coronavírus. No Brasil, porém, vivemos uma situação peculiar, divididos entre as pessoas que esperam ansiosamente isso acontecer e aquelas para quem “tudo isso” nunca existiu.

Talvez sejamos o único país do mundo que reúna shoppings a pleno vapor, bola rolando e “open bar” de aglomerações enquanto mais de mil mortes são registradas diariamente pela Covid-19. Em uma coisa, a esposa do engenheiro civil formado do Rio de Janeiro tem razão: cidadão, não (somos). O conceito de cidadania, afinal, implica o conjunto de direitos e deveres que cada um de nós tem perante a sociedade.

O “cidadão de bem” acha que tem direito a receber auxílio emergencial mesmo não precisando, porque “paga impostos”, mas não entende seu dever de cumprir as regras sanitárias mais básicas para preservar vidas na pandemia. Enquanto isso, esperamos que tudo um dia passe mesmo porque, se a Covid-19 já nos tirou tantas vidas, esse vírus do egoísmo tem matado o que resta da nossa esperança. É triste viver em uma sociedade que não entende seu significado mais genuíno: eu sou, porque nós somos. Sem o outro, sua existência é irrelevante.

Sigo esperando o “novo normal” que nos disseram que viria enquanto acompanho nas ruas a velha normalidade voltando com ares de alívio e chopes de celebração. Coitado do brasileiro do Leblon, que ficou três meses sem poder pagar R$ 10 em cada chope nos seus bares de estimação, onde costumava deixar mensalmente na conta da cerveja os R$ 600 que os garçons de lá estão lutando para conseguir de pagamento no auxílio emergencial. O que passou, quando a gente vê tudo isso? “Só” 65 mil vidas que se foram.

Na quarta-feira (8) tem futebol. Final da Taça Rio, Fla-Flu no Maracanã. Não dá para ver no estádio (por enquanto), mas dá para ver no bar. É bom aproveitar a chance, porque futebol de novo talvez só daqui a um mês. Ué, mas não tinha voltado? Voltou mais rápido do que deveria, vai acabar o que nem deveria ter recomeçado para depois, no dia 9 de agosto, retornar de verdade com o Campeonato Brasileiro. Isso tudo baseado em quê?

Quando a pandemia começou, eu entendia que “quando tudo isso passar” significava que a agonia de perder tantas vidas diariamente já teria sido aliviada. Que o risco de contágio já estaria mais controlado. Mas nada disso passou e tudo já está voltando. Em agosto, quando a CBF retomar o calendário nacional, a situação estará melhor? Estará pior? Ninguém sabe, e como todas as decisões do Brasil na reabertura, essa veio na esteira das que foram tomadas pelas autoridades sem atender puramente a critérios técnicos e se prendendo mais ao “desejo”/”necessidade” do retorno.

Os anúncios ainda não têm especificações importantes de protocolo no caso do futebol feminino. A CBF garante que vai arcar com os custos dos testes, mas ainda não divulgou detalhes sobre como isso vai acontecer. Isso é imprescindível para entender em que condições elas vão voltar, já que, dos 52 clubes que disputam a A1 e a A2 do Brasileiro, poucos têm condições (de estrutura e de orçamento) para cumprir as medidas rígidas de um retorno seguro.

Quando tudo isso realmente passar, você vai poder terminar de ler essa coluna sem que nenhuma vida tenha sido perdida por coronavírus no Brasil. Agora que você está no último parágrafo, duas famílias já estão chorando a morte dos seus nessa pandemia. Normalizar isso é perder nossa humanidade.

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