Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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No pior momento da pandemia, a certeza é que haverá futebol

Triste ver como o minuto de silêncio antes do apito inicial se tornou protocolar

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Pouco mais de seis meses, 380 jogos e muitos testes semanais de Covid separaram início e fim do Campeonato Brasileiro. E, desde que ele começou, em 9 de agosto, até ele terminar, em 25 de fevereiro, mais de 150 mil pessoas não puderam saber o desfecho da principal competição do futebol nacional.

Quando o futebol voltou, muito se falou na necessidade de ter “outro assunto” para falar,
do papel dele como um respiro em meio a tanta tragédia. O problema é que ainda está faltando ar para muita gente. Respirar é um privilégio em tempos da maior pandemia que o mundo já enfrentou neste século.

O Campeonato Brasileiro começou quando o Brasil atingia a triste marca das 100 mil mortes por coronavírus. E terminou no pior dia desde que a doença chegou por aqui, com recorde de mortes em 24 horas –foram 1.582 em 25 de fevereiro–, superando 250 mil vidas perdidas.

Falar em números talvez diminua o impacto do que eles significam. A essa altura, todo mundo deve ter um nome para citar entre as vítimas da Covid-19 no Brasil. E se o campeonato começou e terminou com um minuto de silêncio sempre no apito inicial de cada partida, em homenagem às vidas perdidas –e essa prática prossegue nos estaduais–, ao que parece, a gente se acostumou tanto com essas mortes que nem parece que elas estão se multiplicando a cada dia.

No mesmo dia da “final” do Campeonato Brasileiro, uma partida do Catarinense entre Chapecoense e Avaí foi adiada por falta de ambulância. A cidade de Chapecó estava em situação crítica por causa do coronavírus e não havia como providenciar assistência médica para um jogo de futebol nessas circunstâncias.

Um dia depois, foi noticiada a mudança de horário do jogo entre Grêmio e Palmeiras pela final da Copa do Brasil, em Porto Alegre. A cidade vive o pior momento desde o início da pandemia, com a taxa de ocupação nas UTIs superando os 100%. A ideia era diminuir os riscos de aglomerações com a partida acontecendo às 21h.

O Campeonato Paulista também começou com mudanças neste último fim de semana. O jogo entre
Ferroviária e Inter de Limeira precisou acontecer em Campinas (a cerca de 200 km de Araraquara) porque a cidade-sede da Locomotiva vive situação grave de aumento do número de casos de coronavírus.

Tudo um pouco diferente e, ao mesmo tempo, tudo “normal”. Parece que ganhamos uma certeza
a mais na vida –além da morte. É a certeza de que, aconteça o que acontecer, amanhã tem jogo. Em algum lugar do país, tem. Talvez mudando o horário, o estádio, a cidade, mas tem. E recorde de mortes também vai ter.

Maracanã vazio para um clássico entre Flamengo e Vasco, pelo Campeonato Brasileiro
Maracanã vazio para um clássico entre Flamengo e Vasco, pelo Campeonato Brasileiro - Alexandre Loureiro - 4.fev.2021/Reuters

Tudo isso me lembra o brilhante texto da escritora Marina Colasanti que dizia “a gente se acostuma, mas não devia”. Na crônica publicada no Jornal do Brasil, em 1972, em um trecho ela fala sobre guerra. Tomo a liberdade de adaptá-lo para o contexto de coronavírus hoje:

“A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a pandemia. E, aceitando a pandemia,
aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar na vacina. E, não acreditando na vacina, aceita ler todo dia da pandemia, dos números, da longa duração. [...] A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.”

É triste ver como o minuto de silêncio no apito inicial do futebol se tornou protocolar. Enquanto falta a fiscalização e o cumprimento dos protocolos básicos de prevenção ao coronavírus em todo lugar. E o futebol com isso? Ele faz parte disso. Todos nós fazemos.

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