Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Mulher que denunciou Caboclo nos ensina a não tolerar o intolerável

Como disse a secretária da CBF, está na hora de o assédio ser tratado como assédio

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Costuma começar com um comentário sobre nossos corpos. Um olhar para o nosso peito quando a fala vem da nossa boca. Toques na cintura, nos cabelos, nas mãos, que nos deixam desconfortáveis. É só uma brincadeira, dizem.

“Pode passar, eu prefiro você de costas”. É seu chefe dizendo isso, e por mais que você se sinta constrangida, fica com medo de dizer alguma coisa. Como ele vai interpretar? “Ah, agora não pode mais brincar com você?”

Vale dizer que só é brincadeira quando as duas partes envolvidas se divertem. E no jornalismo esportivo ou em qualquer área majoritariamente ocupada por homens é comum que as mulheres vivam situações como essas como parte do cotidiano. A gente aprende que está incluído no pacote. Quer trabalhar nisso? Então vai ter que aguentar as “piadinhas”.

Rogério Caboclo está afastado da CBF e não pode pisar no edifício da entidade
Rogério Caboclo está afastado da CBF e não pode pisar no edifício da entidade - Leandro Lopes - 17.abr.2019/CBF Divulgação

Mas você não consegue rir de nenhuma delas. E ao mesmo tempo, não consegue reagir. Muita gente diz: “Mas por que não saiu dali, por que não gritou, por que não falou?” Você petrifica. Já aconteceu comigo.

Bem no início da carreira, quando ainda estava na faculdade, vivi a situação que mais me apavorou no jornalismo. O apresentador do programa da rádio onde eu estagiava me pediu para entrar no estúdio. Ele estava no ar, disse para eu me sentar ao seu lado. Acariciou meu cabelo, minhas mãos e eu congelei. Tinha gente vendo tudo, ninguém fez nada também. A relação é mesmo de poder. Ele podia fazer isso, e ninguém ali teria coragem de reagir. A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco.

A funcionária da CBF que denunciou o então presidente Rogério Caboclo por assédio com certeza teve mais motivos para calar do que para falar. Afinal, o caso envolvia o homem mais poderoso do futebol brasileiro. Seria a palavra da secretária contra a dele. E o que o dirigente faria para descredibilizá-la? As manobras que tentaria para silenciá-la? As ameaças, a perseguição que sofreria, o trauma revivido a cada reportagem. Valeria a pena?

“Vale a pena lutar pelo que eu acredito. E estar aqui hoje de cabeça erguida, lutando pelo que eu acho certo. Lutando pra não ter mais vítimas, lutando pelas mulheres. Lutando pela mulher trabalhar no futebol, que é um mundo masculino, machista. Não foi fácil, mas valeu, sim. Faria tudo de novo, desde o início”, disse a funcionária em entrevista à repórter Gabriela Moreira, da Globo.

A grande diferença aqui foi que ela disse não. Não para os comportamentos abusivos do chefe que a faziam chorar e passar mal no ambiente de trabalho. Não para as “piadas” que a constrangiam diariamente. Não para as “brincadeiras” que a deixaram com depressão e desencadearam crises de pânico.

A coragem dessa funcionária nos inspira e nos ensina a não tolerar o intolerável. Esses comportamentos foram tão reproduzidos e naturalizados que até hoje tem gente que não vê problema neles. “Mas eu não posso chamar minha funcionária de gostosa? É um elogio” ou “eu não posso pedir pra ela dar uma voltinha? É uma brincadeira”, para terminar com “Nossa, mas agora tudo é assédio”.

Sempre foi. A questão é que antes as mulheres não tinham respaldo para denunciar. Quando tínhamos a ousadia de questionar, a resposta era sempre: “Imagina, você está exagerando”. Quantos de vocês, chefes, já disseram isso para uma funcionária ao ouvir um relato de assédio? A omissão de quem está nas posições de poder é o que perpetua comportamentos abusivos sistemáticos com relação às mulheres no ambiente de trabalho.

Todos podemos fazer alguma coisa. Como disse a secretária da CBF, está na hora de o assédio ser tratado como assédio. “Não é brincadeira, piada, frescura, mimimi. É assunto sério e precisa ser tratado como tal.”

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