Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Renata Mendonça
Descrição de chapéu
Renata Mendonça

Jornalismo esportivo ainda exibe desprezo pelo futebol feminino

Até noticiam a modalidade, mas não dão verdadeira visibilidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imaginem o seguinte cenário: é dia de premiação da Fifa para os melhores do mundo, um dos eventos mais comentados do futebol. Um programa esportivo debate os indicados ao prêmio de melhor jogador –Messi, Lewandowski, Salah. O apresentador pergunta aos comentaristas a opinião deles sobre o tema. Silêncio.

Eu estou entre os convidados e, após alguns segundos, respondo: "Não me sinto confortável para comentar, porque eu não acompanho".

Uma cena que, de tão surreal, é quase que inimaginável, certo? O que diriam sobre uma mulher participando de um programa esportivo que não sabe emitir uma opinião sobre o principal tema do dia no mundo do esporte, o prêmio da Fifa? O que diriam se todos os comentaristas da mesa não conseguissem falar absolutamente nada sobre esse assunto?

Cenas assim são recorrentes quando as notícias do futebol feminino surgem na pauta. E vale ressaltar que estamos numa evolução aqui, porque até pouco tempo atrás ninguém nem sabia o que acontecia nesse universo. Não se falava sobre a premiação de melhor jogadora –a não ser quando Marta estava entre as indicadas, aí não tinha muito como fugir– nem sobre o que acontecia na seleção feminina, no Campeonato Brasileiro feminino etc.

Alexia Putellas foi eleita a melhor do mundo, mas muitos jornalistas esportivos não se sentem confortáveis para comentar seu futebol - Larsson Rosvall - 16.mai.21/Reuters

Hoje, ainda bem, esses assuntos ganharam espaço. Foi uma conquista das mulheres, pelo direito de ter protagonismo também no esporte. Só que o desprezo com elas continua enorme. Até noticiam, mas não dão visibilidade. Até inserem na pauta do programa, mas não conseguem desenvolver –a não ser quando chamam as mulheres do canal, essas, sim, que têm a obrigação de saber falar sobre futebol feminino.

É sério? Sempre achei que o papel do jornalista esportivo era informar. Que o do comentarista esportivo era debater os temas do esporte com embasamento, informações, dados. E o papel da imprensa esportiva seria noticiar tudo o que é relevante no meio. Quando escolhi essa profissão, entendi o tamanho da responsabilidade dela: basicamente, é o jornalismo que "decide" o que é relevante o suficiente para as pessoas ficarem sabendo.

Na semana passada, a CBF fez mudanças significativas na estrutura do futebol feminino. A entidade demitiu Duda Luizelli, então coordenadora de seleções femininas, e tirou Aline Pellegrino do cargo de coordenadora de competições femininas para assumir a vaga da então colega. Ainda não se sabe quem ficará na função que Pellegrino desempenhava.

É como se a CBF tivesse demitido Juninho Paulista na seleção masculina sem dar mais explicações. O tema não teria repercutido por dias na imprensa esportiva? No caso da notícia sobre a seleção feminina, ela pouco teve espaço/visibilidade nos grandes veículos. E, se alguém passear pelas redações deles perguntando sobre o acontecimento, eu apostaria que 9 em cada 10 jornalistas não saberiam nada sobre o assunto.

Vão dizer que é difícil acompanhar tudo. Que infelizmente existe um desconhecimento generalizado sobre futebol feminino. Eu diria que o desconhecimento aí é sinônimo de preconceito. É como se o assunto fosse tão irrelevante para eles que não acham necessário se informar sobre ele– deixa para as especialistas, as mulheres da casa. Um desprezo que não condiz com o que se aprende na profissão: estar bem informado é o básico. Ninguém é obrigado a saber tudo, mas, na era do Google, o "pesquisar" está a um clique de alcance. Não é tão difícil.

Isso vale também para o desconhecimento sobre o futebol africano nas transmissões da Copa Africana de Nações, caindo em clichês racistas. Aliás, falando em racismo, Folha, tu te tornas eternamente responsável por aquilo que publicas. Lembrem-se disso.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.