Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra
Descrição de chapéu Gal Costa

A voz e a voz de Gal

Uma artista que se afinou com a liberdade

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Era 1968 quando Gal Costa subiu no palco do festival da TV Record. Cantou com raiva, pra fora: "Atenção/ Tudo é perigoso/ Tudo é divino maravilhoso/ Atenção para o refrão/ É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte". Ninguém tinha visto Gal cantar assim, como Janis Joplin. Corajosa, ela havia mudado radicalmente seu estilo. E catalisou o sentimento reprimido, furioso, de um país que era obrigado a engolir uma ditadura desde 1964. Era um grito, um esporro pela liberdade.

Gal se tornou a principal voz feminina do tropicalismo. Na escolha do repertório, nas roupas ousadas e no comportamento libertário, Gal foi um tsunami que rompeu os diques de um Brasil ditatorial, preconceituoso e provinciano.

Na década de 1970, Caetano e Gil foram presos e expulsos do Brasil. Gal ficou. E fez uma revolução. As reuniões afetuosas, descoladas e livres nas "duunas da Gal" na praia de Ipanema. A coragem de mostrar as coxas, a barriga, o corpo, cantar e tocar um repertório genial de um jeito elegante e sinuoso. A postura de mulher firme e segura de si. Gal era a imagem da resistência e da vanguarda num tempo em que a vanguarda era a resistência.

A ilustração mostra Gal Costa cantando com os seios de fora, a figura de Gal está desenhado na cor preta, com apenas os lábios vermelhos. O fundo da ilustração é laranja com uma forma abstrata na cor rosa.
Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra - Débora Gonzales

Sua doce fúria marcou com ferro os anos 1980. "Não me convidaram/ Pra essa festa pobre/ Que os homens armaram pra me convencer/ A pagar sem ver/ Toda essa droga/ Que já vem malhada antes de eu nascer."

Jovens de todas as gerações, década após década, enxergaram em Gal uma bonita ideia de liberdade. Independência criativa, comportamental, feminina, individual, fatal, total, estratosférica.

Quando num descuido nos ensaios, seu seio pulou para fora da camisa, Gal teve a coragem de assumir aquele gesto no palco. Eram os anos 1990 e a sociedade brasileira ainda se chocaria com um peito de fora. Gal sabia. E enfrentou. O tsunami não perdeu força. Os diques, sim.

Foi assim até o fim. De 2010 pra cá, ela ousou, experimentou, abriu caminhos eletrônicos, estéticos e contemporâneos com o disco "Recanto". Em parceria com Marcus Preto, catalisou e incentivou a vitalidade criativa de uma geração inteira de novos —e brilhantes— músicos. Gravou Tim Bernardes, Rubel, Emicida, Pupillo, Céu, Domenico Lancelotti. Zeca Veloso. Cantou com Marília Mendonça.

A voz doce e afinada de Gal abarcou tantas coisas e nos guiou, como num encanto, pelo caminho da liberdade. Que continue ressoando.

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