Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Mais BAIXO, por FAVOR

Fora da internet, há quem fale baixo e quem grite, mas ninguém sussurra umas palavras e berra outras

Creio que TEMOS de falar sobre as PESSOAS que se exprimem ASSIM quando ESCREVEM, enfatizando certas PALAVRAS através da utilização de letras MAIÚSCULAS.

Costumo vê-las nas caixas de comentários de jornais online e julgo que não existem noutro sítio. É gente que se dedica exclusivamente à leitura e comentário de notícias (mais ao comentário do que à leitura, como os próprios comentários costumam evidenciar).

Ilustração Ricardo Araújo Pereira
Luiza Pannunzio/Folhapress

Ao que parece, o protocolo indica que escrever em maiúsculas significa que se está a gritar. Estas pessoas estão, portanto, a alternar um tom de voz normal com gritos.

Confesso que, na vida real, não conheço ninguém que fale assim. Fora da internet, há pessoas que falam baixo e outras que gritam, mas nenhuma sussurra umas palavras e berra outras. Minto: certas pessoas fazem algo parecido com isso quando contam um segredo. Em voz normal, dizem: "Parece que o filho da Manuela..." E depois, segredando: "...está preso". É uma prática que, aliás, não faz sentido. A parte importante do segredo é dita em voz baixa. Devia ser ao contrário. Primeiro, murmuravam: "Dizem que o senhor do primeiro andar..." E depois, falando muito claramente: "É HOMOSSEXUAL".

Tenho empreendido uma cruzada para descobrir um desses comentadores que gritam alternadamente na internet. Abordo desconhecidos e falo sobre atualidades, para ver se eles fazem COMENTÁRIOS em VAGAS de voz baixa e vagas de GRITOS. Nada.

Por vezes, sou eu que, em lojas ou transportes públicos, começo a FALAR segundo este MODELO que mescla GRITARIA com voz normal, esperando que UMA dessas PESSOAS se aproxime e diga: "FINALMENTE, alguém que SABE exprimir-se da forma CORRETA! Ando há TANTO tempo à procura e só AGORA achei." Até hoje, nunca tive sorte.

Seria de esperar que este tipo de pessoa desse nas vistas e fosse fácil de encontrar. O mais provável é que seja gente que nunca sai à rua. Está em casa, a exprimir uma indignação ora serena, ora furiosa, com matérias, e não tem tempo para interagir com gente de carne e osso que fala sempre no mesmo tom.

É pena, porque gostaria de lhes tentar regular o volume e acabar com aquele sofrimento. Uma TV antiga dos meus pais tinha exatamente o mesmo problema. É preciso dar uma palmada seca em cima.

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