Em vida, Stephen Hawking contribuiu para a formulação de várias teorias importantes. Mas a sua morte também demonstrou uma lei científica essencial: mesmo que as pessoas não entendam nada do pensamento de um cientista, ainda assim elas vão homenageá-lo com muita emoção no Facebook.
Que fique claro: não critico. Eu também me curvo perante o absolutamente incompreensível (para mim) legado de Stephen Hawking. E fico comovido com a comoção que a sua morte gerou, porque é tão improvável.
Claro que, quando David Bowie morre, a gente faz um post emocionado: "Obrigado, David, por 'Modern Love', essa música acompanhou-me em certa viagem, ajudou-me a superar determinada situação, fez com que eu me entendesse melhor".
Mas é estranho agradecer a Hawking os teoremas da singularidade. A gente não tem ideia do que significam, não os reconhece quando os ouve, e eles não marcaram momentos importantes da nossa vida. Sobretudo, são muito difíceis de assobiar.
É fácil homenagear pessoas que a gente entende. Por isso me tocaram as homenagens a Hawking, e mais ainda o esforço colocado nessas homenagens.
Neymar, por exemplo, não quis deixar de lembrar o grande cientista. Tenho a certeza de que ele está grato a Hawking pelo que lhe ofereceu no campo da cosmologia teórica e da gravidade quântica, mas preferiu agradecer a inspiração que lhe deu para ultrapassar a fratura no quinto metatarso e a entorse externa no tornozelo.
E quem pode dizer que a astrofísica é mais importante que o metatarso? Eu não, certamente.
Hawking era uma mente brilhante aprisionada num corpo gravemente doente. Ou seja, sinto que corporizava uma excelente metáfora de certo país que eu conheço: é uma nação extraordinária, rica em recursos e beleza natural, aprisionada por um sistema gravemente doente.
A doença do país também parece crônica e degenerativa, como a de Hawking. Hoje escrevi "ELA" no Google. Na rubrica "Notícias principais" apareceu: "A rara e fatal ELA nunca travou o cientista".
Ao lado, mais duas matérias: "'Ela incomodava pequenas e grandes máfias', diz colega de partido de Marielle", e ainda: "Marielle contou que era para a filha estar com ela em reunião que antecedeu o crime". Parece que o Google concorda comigo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.