Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

Mais respeito, máquinas

O Super-Contabilista, eis o herói adequado para os tempos modernos

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Nos anos 1980 havia uma série chamada “A Super Máquina”, em que um homem combatia o crime com a ajuda de um carro chamado Kitt. 


Como é óbvio, o justiceiro se dedicava mais a crimes que pudessem ser cometidos em estradas. O carro tinha dificuldade em ajudá-lo dentro de apartamentos, por exemplo, e por isso ele dava atenção aos bandidos que preferissem praticar atividades criminosas ao ar livre. 


Um dos problemas dos filmes e dos quadrinhos é que, como o crime econômico é chato e pouco cinematográfico, os heróis atacam mais a pequena criminalidade do que a grande. 


O Super-Homem captura um assaltante de bancos, mas não o administrador que dá um desfalque. O Homem-Aranha não segue o rastro do dinheiro até a conta offshore que uma empresa usa para fugir dos impostos. 


Em vez de uma capacidade física sobre-humana, eles deviam ter superpoderes matemáticos, para verificar os relatórios e as contas das empresas. O Super-Contabilista, eis o herói adequado para os tempos modernos. 


A sociedade está hoje organizada de acordo com uma estranha teologia financeira: há paraísos fiscais e infernos sociais. O funcionamento é ligeiramente diferente do habitual. Quem se comporta mal vai para o paraíso. Quem se comporta bem (normalmente, porque não tem outra alternativa) vive no inferno. E tem de se sustentar a si mesmo e ao estilo de vida dos que vivem no paraíso. 


Talvez seja tempo de atualizar aquela frase antiga: na sociedade capitalista nada é certo, exceto a morte e a fuga aos impostos. Não pagar impostos é um sinal de egoísmo —e, por isso, de uma certa pobreza de espírito. É justo, portanto, que o paraíso fiscal seja desses pobres de espírito. Os apenas pobres ficam no inferno social, para aprenderem a não ser bobos.


Acontece que o carro da série, apesar das suas limitações na luta contra os crimes de colarinho branco, era simpatiquíssimo. Conversava com o herói, dava sugestões, contava piadas. Eu era criança e fiquei com a ideia de que as máquinas do futuro seriam assim. 


Não são. Crio uma senha e o computador diz-me: esse password é ruim, fácil de adivinhar. Claro, eu acabei de lhe dizer qual era. É evidente que, assim, ele adivinha facilmente. Ele que não conte a ninguém e talvez os bandidos não consigam entrar no meu computador. 


O Kitt faria isso. Se os bandidos tentassem entrar no meu computador no meio da estrada, pelo menos.

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress
 
 

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